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Recordar é viver: truculência, resistência e heróis de carne e osso

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James Bevel [1936-2008] era um de dezessete filhos de uma família muito humilde, nascido num fim de mundo do estado do Mississippi. Quando adolescente trabalhou nas siderúrgicas de Cleveland e quase virou cantor antes de tornar-se pastor. 
Em 1963 ele participava do grupo liderado por Martin Luther King [o Southern Christian Leadership Conference, um grupo de negros evangélicos] e visitou a mãe e a irmã de Jimmie Lee Jackson [ver este post passado], que ainda se recuperava da violência que tinham sofrido e se preparavam para enterrar o filho e irmão. Elas disseram a Bevel que as marchas e os protestos tinham que continuar. Bevel saiu de lá e fez um sermão histórico em que propôs a marcha de Selma a Montgomery a capital do Alabama como Ester havia visitado o "rei" para defender seu povo - o rei nesse caso era o governador George Wallace. 
Um semana depois, o sermão do enterro de Jackson foi feito pelo próprio MLK e ele pedia a todos os presentes que, em nome de Jackson, se trocasse a cautela pela coragem.

Dizem que foi Bevel quem convenceu um relutante MLK a deixar que crianças participassem das marchas de protesto da SCLC em 1963. As cenas dessas crianças sendo tratadas da pior forma possível pelas forças da ordem do estado do Alabama finalmente mobilizaram a opinião pública americana contra a repressão brutal que o movimento sofria nas mãos da polícia e de todos os poderes constituídos no Alabama.

Bevel era pastor mas não era santo. Foi condenado por incesto e estava preso antes de morrer de câncer

Outra participante ativa do movimento, Diane Nash [com quem Bevel foi casado po sete anos] foi uma figura impressionante do movimento e foi presa diversas vezes. Depois de um atentado à bomba que matou quatro meninas em Birmingham, Nash e Bevel foram ao estado do Alabama juntar-se à luta pelo direito ao voto. Nash dá um depoimento curtinho no vídeo abaixo sobre como lidou com a intimidação e o medo:


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