Skip to main content

Diário de Londres 3: Obituário 2, a Vingança

Noel Annan
Outra marca registrada deste blogue é a sua falta de sincronicidade, um termo inclusive muito sincrônico. Assim, justo quando já sai de moda alabar a um defunto, é aí mesmo que alabaremo-lo. Ainda seguindo o espírito "cafona" do blogue, alabaremo-lo com um texto ainda mais velho e fora de moda.

Nicolau Sevcenko publicou "O professor como corretor" na Folha de São Paulo no ano 2000. Agora, aparando com a sacanagem, esse texto, digamos que "de intervenção", é o que vou mostrar aos meus alunos de Introdução à Cultura Brasileira amanhã. Ele exemplifica, para mim, a vantagem principal de se debruçar de verdade sobre uma cultura estrangeira, sem domesticá-la transformando-a numa versão estilizada da sua própria cultura. Qual seria essa vantagem? Justamente pode testemunhar outras pessoas verem e falarem sobre as coisas com outros olhos, de outros lugar.

O texto em questão é daqueles que mantém um gume duplamente afiado que corta fundo até hoje tanto para um lado como para o outro, mesmo porque ele fala de uma visão de mundo que ainda prevalece até hoje:

Nicolau Sevcenko
"Segundo outra lei clássica da engenharia, cada decuplicação da capacidade de um sistema constitui uma mudança qualitativa de impacto revolucionário. O que significa que desde 75 passamos por algo como dez revoluções tecnológicas sucessivas no espaço de duas décadas e meia. Uma escala de mudança jamais vista na história da humanidade!
Foi esse contexto fortuito que proporcionou os meios para que Reagan-Thatcher consolidassem a agenda conservadora, retraindo a ação do Estado em favor das grandes corporações e do livre fluxo de capitais, abalando os sindicatos, disseminando desemprego, rebaixando a massa salarial e concentrando a renda. Foi a grande epidemia das privatizações, das reengenharias e das flexibilizações. Apoiada na dramática mudança tecnológica, essa onda foi tão poderosa que acabou forçando a mudança do discurso das oposições."

Comments

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...