O trecho acima é de Alfonso Reyes, uma figura intelectual de primeira grandeza no México, homem de grande poder [criador do Colegio de México] e incentivador de várias figuras intelectuais importantes. Deixou na cultura mexicana uma marca que a diferencia claramente da cultura brasileira [escrevendo em português, me permito aqui a um certo lusocentrismo], sendo Reyes uma mistura de Mário de Andrade, Graça Aranha e classicismo neo-Nietzschiano, regulando ele com Manuel Bandeira [ou seja de uma geração anterior às vanguardas], sendo ele poeta e ensaísta que escreveu muito e que escreveu sobre tudo.
Aqui nesse trecho escrito com aquela vontade de clareza que Reyes dizia ser a marca de um desejo de democracia no trabalho intelectual, ele busca um defesa da relevância do nome poeta bem mais além do exercício do que reconhecemos hoje em dia como poeta, rejeitando justamente o termo que acabei de usar, trabalho intelectual. Poesia aqui é o trabalho criativo de dar nomes às coisas, de nomear e renomear as coisas. E fazê-lo assim é fazer do trabalho criativo uma forma de ação social, uma forma importante de intervir no mundo.
Uma das razões da dificuldade que muita gente tem em ler Alfonso Reyes é que ele não segue os dogmas intelectuais do século XX, muitos menos os sub-dogmas intelectuais do século XXI. Reyes pensa sem medo que outros o chamem de anacrônico. E de anacrônico ele seria chamado algumas vezes, embora a forma favorita de enterrá-lo no México [onde ele teria alguma chance de ser lido] é escrever longas e aborrecidas loas ao "Grande Mestre". Mais uma vez lusocentricamente, diria que é um tipo particular de puxa-saquismo que sempre começa com uma reminiscência de um encontro qualquer com o "Velho Sábio", jogando sobre o autor das loas um pouco da luz do homenageado, e termina infalivelmente com um tom de elegia, pedindo glórias a esse avatar luminoso da cultura mexicana chamado Alfonso Reyes. Acho que no Brasil, só Guimarães Rosa padece com esse tipo de amor perverso, esse amor que neutraliza o gume do trabalho poético do autor para então afogá-lo em beijos e abraços sufocantes, se possível até a morte, transformado num retrato pomposo na parede da ABL.
Agora mesmo no México os fazedores de loas desse tipo a Reyes já morreram, tendo sido substituídos por fazedores de loas ainda mais pateticamente ridículos, que se ocupam do sucessor de Reyes no poder cultural - coisa que, pasmem caros amigos brasileiros, existe no México. Então, estamos todos livres para ler Alfonso Reyes de novo. Mas penso aqui no valor de ler Reyes além do México, desde um ponto de vista brasileiro. Eu sei que é uma utopia absurda pensar em ler Reyes no Brasil, onde o povo mal dá conta de não chamá-lo de "Reis" quando cita alguma anedota sobre os anos dele no Brasil sem ler sequer uma linha do que ele escreveu. O eurocentrismo reina tão soberano no Brasil que até o nosso anti-eurocentrismo é firmemente avalizado por fontes genuinamente enraizadas nas melhores universidades dos Estados Unidos e Europa. Não é coincidência que os indianos e africanos lidos no Brasil são aqueles que escrevem em inglês, meus caros. Faria muito bem a nós brasileiros ler um gigante invisível como Reyes, já que ainda vivemos excessivamente encantados com antropofagias requentadas em 1968 [parece que ele não termina mesmo] ou com algum francês que era uma grande novidade nos anos 70 do século passado, há meio-século atrás. O gigante só é invisível porque não temos olhos para vê-lo. Digo isso tudo, portanto, sabendo muito bem que estou falando às moscas.
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