Skip to main content

Sobre texto de Leyla Perrone-Moysés no Suplemento de Pernambuco

Escrevo aqui breves comentários sobre o texto de Leyla Perrone-Moysés no Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco, excelente periódico cultural.

A autora fala em “elitismo” [entre aspas] como "uma seleção visando a preservar o melhor do que já foi feito até hoje, e de uma resistência ao tsunami da indústria cultural". 
Acho reveladora a ideia da autora do artigo de uma "resistência a um tsunami". Acho que a expressão concede a derrota antecipada desse campo de alta cultura que Perrone-Moyses insiste em defender como bandeira no seu embate com a odiada cultura de massas [o tsunami em questão]. No mais, pessoalmente, não tenho a menor disposição para ser porteiro de boate e ficar barrando e deixando entrar "o melhor".

Mais tarde a autora fala que "algo deve ser preservado da rica tradição literária ocidental, como resistência à indústria cultural e a uma concepção da literatura como mero bem de consumo, produzida em função de um público pouco exigente". 
Sinto aqui mais uma ponta de derrotismo [só "algo" e não "toda"?] Além disso, como uma pessoa que vive e trabalha em meio universitário norte-americano, não posso deixar de registrar o absurdo irônico de uma defesa brasileira assim tão inocente da "rica tradição literária ocidental". Uma defesa desse tipo por aqui implicaria na exclusão definitiva de qualquer autor brasileiro. A palavra mais usada no inglês para significar "ocidental" é "West" e mesmo os americanos cultos fora dos guetos especializados em literatura latino-americana se surpreenderiam com a ideia de que escritores brasileiros fazem parte da "sua" cultura ocidental.

Na última parte do texto, Leyla Perrone-Moysés fala em "Valores básicos" daqueles escritores que seguiriam levantando a bandeira da literatura no meio do tsunami de lixo da cultura de massas. São eles:


-      "o exercício da linguagem de modo livre e consciente";
-      "a criação de um mundo paralelo como desvendamento e crítica da realidade";
-      "a expressão de pensamentos e sentimentos não apenas individuais, mas reconhecíveis por outros homens como correspondentes mais exatos aos seus";
-      "a capacidade de formular perguntas relevantes, sem a pretensão de possuir respostas definitivas".
Bom, estou para encontrar algum produto cultural, alto ou baixo, literário ou não, que seja "apenas individual" - todo o texto [bom ou ruim, de massa ou não] tem necessariamente uma dimensão particular e uma dimensão universal. Essa defesa do universalismo é, na minha opinião, um espantalho desprovido de sentido. Aliás reli todos os outros "valores básicos" listados no texto e encontrei o mesmo tipo de problema - indicações de traços [escrita consciente, mundo paralelo reconhecível, perguntas relevantes sem respostas definitivas] que podem estar presentes em grandes obras primas ou em mediocridades exemplares. Não ajuda nada a sub-listinha no finalzinho do texto com "veracidade", "força expressiva" e "força comunicativa".

O final do texto, aliás, me pareceu um pouco apressado, justamente no momento em que ele poderia prometer mais. Eu tenho trabalhado com autores como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Faulkner e Juan Rulfo. Não estou aqui, portanto, criticando o texto a partir dessa postura que a própria Perrone-Moysés define como "anti-elitista".

Falo aqui a partir de um outro lugar, de um horizonte sem tsunamis nesse sentido de manifestações irresistíveis e avassaladoras de destruição apocalíptica. Falo também de alguém preocupado em ler [meu ofício] com os olhos limpos, encarando o poema de um autor completamente desconhecido e fuleiro e o poema do mais chefão mais "alto/ocidental/nobel/sublime" da parada exatamente com a mesma disposição inicial.

Comments

Anonymous said…
Paulo, nem vou me dar ao trabalho de ler o original. No momento, está longe das minhas prioridades.

Mas lembrei de outro texto enquanto lia o seu comentário. Um ensaio do Idelber Avelar (sim, aquele, daqueles problemas, que andou até sendo vaiado por aí) no qual ele discute com a Perrone-Moysés justamente por conta dessa postura elitista meio enviesada dela. Dá pra rir horrores lendo aquilo. Chama "Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo", caso você já não conheça.

Amplexo!
A toada dela continua mais ou menos a mesma, André. Acho que não evolui praticamente nada. É engraçado como somos especializados em conversas de surdos. Um artigo, respostas e... nada.

Popular posts from this blog

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema