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Os Ogros
Primeiro, a ascensão. A especialidade do Ogro é fabricar
ódio, medo e ressentimento. Ele vive quase anônimo até que um forte apetite por
ódio, medo e ressentimento apareça entre nós. Aí aparece uma penca de
oportunistas: os coadjuvantes estrategistas do Ogro, todos crentes em poder
controlar alguém tão básico.
Lá fora uma maioria cansada de tudo, dá de ombros e aceita
o Ogro. Afinal a ignorância entre nós nunca foi defeito e sempre tivemos uma
queda por valentões xucros. Outros se indignam, mas a indignação só excita ainda
mais os algoritmos e ajuda o balão do Ogro a levantar voos mais altos.
Com ajuda dos seus estrategistas o Ogro elabora o ódio,
o medo e o ressentimento que ele exala constantemente e constrói com eles uma
usina de mitos. Quanto mais a sua boca emite esses gases mortais, maior o Ogro
parece aos olhos do seu público. A usina de mitos transforma grosseria em
coragem, burrice em autenticidade, canalhice em charme. Os Ogros do passado são
transformados num panteão de heróis da nação, dividida eternamente numa luta sangrenta
entre o Ogro e seus antepassados e os malditos traidores.
Com todos esses mitos e toda essa pulsão de morte o Ogro
segue inchando até ser empurrado ao trono absoluto. Lá ele trata de construir
outra máquina, a de expurgos, montada para que haja um futuro puro, sem traidores
malditos. Alguns então percebem que já não podem mais ficar indiferentes, mais outros
ainda esperam por sinais da utopia da eficiência que o Ogro promete todos os
dias. A utopia da eficiência: muito churrasco, cerveja e música alta na praia
para quem merece e pau na moleira de quem não é homem macho ou mulher direita e
não sabe o seu lugar.
Muito sangue e fanfarra movimenta a máquina de
expurgos. Ele primeiro aponta a geringonça para fora: óleo na praia, fogo na
floresta, lama nos rios, bala nos pretos, garimpo nos índios, borracha nos
maconheiros, porrada nos veados. Até que reine absoluto aqui, fora o medo que silencia
os fracos e fomenta os covardes. Depois disso, o Ogro aponta a máquina de
expurgos para dentro do próprio palácio, até que só sobrevivam os mais abjetos
puxa-sacos.
Um dia o Ogro sobe no seu palanque, cansado e inchado
feito um cadáver que alguém jogou num rio qualquer. O medo suspenso no ar
entra-lhe pelas narinas e algo dentro do próprio Ogro começa a azedar. Ele então
se transforma num recluso, enfurnado no seu palácio cheirando a mofo. A partir
de agora para o mundo o Ogro é uma estátua na praça, um busto na entrada da
repartição, um retrato oficial na parede, uma foto nos cadernos escolares. Afora
um punhado de canalhas, estão todos já enfarados de tanto ódio, medo e
ressentimento. E do preço da gasolina, do pão e da carne, que não param de
subir.
O Ogro já não sai mais do gabinete, onde as persianas
ficam permanentemente fechadas. Tudo ali dentro é feiura para os olhos e fedor
para os narizes. Afogado em velhice e demência, finalmente o Ogro encontra a
morte. Com ele desaparecem no ar a sede de ódio, medo e ressentimento. Os ratos
e as baratas voltam para o esgoto. Até o próximo Ogro.
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