Skip to main content

Música "pópi" 2

Mais pérolas da tal matéria sobre música:

• “das bandas mais heterodoxas do rock atual”
Será que eles comem carne de porco? Será que comem peixe na sexta-feira da paixão? Será que celebram casamentos de homossexuais?

• “uma bem-vinda atmosfera dançante”
Agora somos transportados para o reino das metáforas atmosféricas, mania desse tipo de resenha. No caso temos a manjada “atmosfera dançante”, provavelmente referência àquelas nuvenzinhas que ficam mexendo de lá para cá atrás do sujeito que faz a previsão do tempo no jornal da TV.

• “músicas que se inspiram na disco music e na música negra americana”
Eu me espanto com a precisão do termo “música negra americana”, que vai de Louis Armstrong a Mahalia Jackson a Miles Davis a Aretha Franklin a James Brown a Michael Jackson a Public Enemy. E essa imprecisão ainda é maior se pensarmos que agora, além de ir e vir e andar sem coleira e nos transportar a praias havaianas, as danadas das músicas também se inspiram! Mas o se inspiram como?

• “canções que vão de situações áridas a arrependimentos dolorosos”
De novo o tema das letras substitui a ignorância completa sobre música propriamente dita. De novo a imprecisão pseudo-poética. E de novo os clichês “dolorosamente” pomposos.

• “guitarras etéreas e a voz marcante”
De novo, de novo, de novo.

Qual a diferença entre essas pérolas e as dos jogadores de futebol depois de um jogo? Para mim são três:
1. O jogador se esforça e ganha dinheiro para jogar futebol e não para se expressar verbalmente.
2. O jogador tem que improvisar ali, na lata, depois de correr feito um doido sob forte pressão emocional, e não tem tempo de revisar nada nem de pensar duas vezes no que diz.
3. O jogador, quando fala bobagens, frequentemente comete erros que são identificados com os pobres, embora técnicos e comentaristas com diploma já estejam ensinando a todos no meio futebolístico a falar “besteiras de nível” como as desse crítico de música da FSP.

Observações:
1. Não incluo aqui o nome nem dou a fonte precisa porque o texto e o autor [que não conheço] não têm nada de especial. Infelizmente quase todas as resenhas e reportagens sobre música “pópi” são escritas exatamente nesse estilo pomposo, cheio de lugares-comuns e vazio de conteúdo.
2. Não tenho absolutamente nada que ver com o mérito da música em questão nesse texto ou, em linguagem de dia de semana: não estou aqui fazendo picuinha porque o cara meteu o pau no CD do meu amigo.
3. Essa nova série [que, como outras daqui, provavelmente não vai ter continuidade] se dedica precisamente a mostrar que não são as pessoas supostamente incultas que esculhambam a língua portuguesa e que, se há uma crise na língua portuguesa, eu acho que ela não é uma questão de conjugação ou ortografia e de pessoas que têm poucos anos de escolaridade e sim um problema de uma pompa vazia e de uma enxurrada de lugares comuns vindas de pessoas que tem diploma superior. Aliás é espantoso como quase todos os debates públicos são motivados por interesses pessoais, se atém a coisas como pontuação ou sintaxe do oponente e descambam daí para ofensas pessoais violentas e quase que desarticuladas [me lembro de uma Roda Viva com o ex-governador de SP em que ele simplesmente repete aos berros mais de vinte vezes “caluniador!” “mentiroso!” “safado!” “canalha!”

Comments

Sobre "canções que vão de situações áridas a arrependimentos dolorosos":
Meu marido chama essas frases de "arco imaginário". Quem disse que existe algo de uma coisa até a outra?
"Arcos imaginários" é um boa definição. É um dos vários recursos que dão uma falsa aparência de eloquência a um texto. Eu me lembro trabalhava com um carro e ficava ouvindo a rádio CBN e pensava, "como essas pessoas falam mal, que português feio e vazio", mas eram coisas "normalizadas", que não causavam estranhamento nenhum. Os erros têm a estampa da classe social e o proconceito social se disfarça de críticas à incorreção gramatical das massas.

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema