Para ilustrar esse post sobre jogo de cena e sobre a volta de quem nunca foi embora, nada melhor que um peça ditada por Eça de Queirós sobre a vida depois da morte de Getúlio Vargas...
Fonte:http://remoabc.files.wordpress.com/2008/09/cartaz-getulio.jpgVivendo por metáforas: “jogo” político e “atuação” política
A política [em qualquer lugar] é curiosa e não é por nada que a gente usa para lá e para cá o termo “jogo politico”. Explico com um exemplo: quando está na oposição, X reclama indignado do abuso das Medidas Provisórias de Y. Quando Y passa para a oposição passa a reclamar indignado das MPs de X, que, por sua vez, abusa das MPs agora que está no poder, em nome da “governabilidade”. Indignados viram pragmáticos e pragmáticos viram indignados de um dia para o outro, sem com isso perder um pingo de “convicção” em suas “atuações parlamentares” [e note como o termo “atuação” fica bem aqui]. E assim ninguém faz nada com um sistema que funciona capengo desde o Sarney – e já se vão mais de 20 anos.
E o jogo se repete em inúmeros outros campos de debate exatamente do mesmo jeito: no poder, X é um pragmático e diz que é preciso ser responsável com o orçamento e dar o aumento "possível" ao salário mínimo. Y, indignado e, agora, na oposição, reclama que o aumento deveria [e poderia] ser muito melhor. Imaginem que eu vivi para ver ACM, pragmático/no poder desde 1964 até 2002, e portanto até então cauteloso [ou indiferente] para com o salário mínimo, reclamar indignado da tribuna do senado contra o aumento insuficiente dado por Lula. Como se não bastasse, vi Aloísio Mercadante, indignado/oposição desde que nasceu até 2002, se levantar e defender o aumento, agora "responsável" e “possível”, dado pelo governo!
Sei que parece que sou um cínico, mas não sou, de jeito nenhum. Não quero dizer com isso que são “todos farinha do mesmo saco” e dá tudo na mesma. Não são, e eu sei onde estão as minhas convicções políticas. Só que as diferenças, importantes, fundamentais mesmo, não são entre o céu e o inferno como as indignações de circunstâncias fazem crer. Às vezes tenho a impressão que estamos repetindo os debates histriônicos do nosso outro período democrático, entre Getulistas e UDNistas – se vocês tiverem a paciência de ler qualquer coisa daquela época dos dois lados vai entender o que eu quero dizer. Quem leva a sério esse teatro melodramático de quinta categoria não está só se fazendo de bobo; está também ajudando a perpetuar um debate politico de baixíssimo nível – dos dois lados.
E as MPs continuam a jorrar aos borbotões do executivo, esteja ele com quer estiver; e o salário mínimo continua a ser instrumento de manobras populistas como sempre foi desde os discursos em São Januário no dia primeiro de maio, etc…
Constato, meio melancolicamente, que não somos mesmo o “país do futuro”; parece que não passamos de um quarentão ainda em crise de adolescência. Mas não é para levar nada disso muito à sério: deve ser um ataque de melancolia quarentona da minha parte…
Comments
estou super corrida até sexta; abraços!
De qualquer forma, imaginar que Getúlio, Eça, Salazar e Machado estão todos morando no mesmo bairro do inferno é muita sacanagem!