Para usar o recurso favorito dos preguiçosos eu posso simplesmente dizer que Hayao Miyazaki é o Walt Disney do Japão. Mas para falar a verdade, os filmes de Miyazaki são muito melhores do que os clássicos da Disney. Dono de uma imaginação visual e narrativa especial, Miyazaki surpreende várias vezes com sacadas inusitadas em cada filme que faz e nenhum de seus filmes padecem da pieguice maniqueísta dos filmes da Disney, criando histórias muito mais interessantes e intrigantes para as crianças e os adultos.
Um exemplo em termos visuais: o castelo com patas, mistura fantástica de monstrengo e máquina que dá nome ao filme Howl’s Moving Castle
[ver foto, trailer aqui]. Em termos visuais e também narrativos temos a sensacional sacada da história de um espírito chamado No Face [Sem Cara] [ver foto]
no filme Spirited Away – é para deixar Lewis Carroll de cabelo em pé. No Face entra no Spa para espíritos do filme com a ajuda da heroína Chihiro. Uma vez lá dentro, No Face tenta agradar os outros o tempo todo, mas pode simplesmente engolir qualquer um com uma horrível boca meio desdentada. No Face começa a fabricar pedacinhos de ouro quando vê que os empregados são todos loucos pelo vil metal e logo eles começam a servir No Face com dezenas de pratos e travessas de comida [enquanto a bruxa dona do Spa está dormindo]. Assim No Face vai crescendo, ganhando pernas e braços – e o resto da história só vendo o filme.
Os filmes de Miyazaki são tão populares no Japão que Miyazaki bateu o Titanic com Spirited Away [trailer aqui] – filme que ganhou o Oscar de melhor animação em 2003. Minha esposa encontrou os filmes do Studio Ghibli na nossa busca desesperada por cinema de animação que a gente pudesse assistir com o meu filho em meio a uma febre de Pokemon na escola dele – e os filmes do Pokemon eu prefiro nem comentar. Na loja de vídeo o atendente nos confirmou que Myiazaki era mesmo uma ótima opção e fomos para casa com Spirited Away. Ficamos embasbacados e dali não paramos mais: já vimos uns dez filmes dele e de outros do seu Studio Ghibli.
Todos os seus filmes têm algumas coisas em comum:
- O desenho sempre parte de um mundo reconhecível mas ao mesmo tempo cheio de coisas fantasiosas e são detalhistas ao extremo, mostrando um desenhista [Miyazaki desenha todos os storyboards, escreve, dirige, e faz até as letras das canções dos filmes] com um poder de observação sensacional: desde o acompanhamento sutil das sombras e do movimento da água, até cadarços de sapato e os gestos mais corriqueiros das crianças.
- As heroínas dos filmes são sempre meninas [deve ser o diretor mais feminista do cinema infantil] que têm que encarar mais ou menos sozinhas desafios e aventuras de todo o tipo e buscar novos amigos e alianças às vezes inusitadas;
- os filmes sempre têm cenas deslumbrantes de vôo, com aviões antigos e máquinas voadoras das mais esquisitas, bruxas com vassouras, dragões, montros, fantasmas, todos sempre voando;
freqüentemente Miyazaki dá um jeito de dizer alguma coisa contra as guerras e a destruição da natureza, embora nenhum dos dois temas seja abordado com a pieguice dos filmes americanos – em Princesa Mononoke [trailer aqui], por exemplo, os espíritos da floresta lutam uma guerra sanguinária contra uma mulher que por sua vez contrói uma cidade/usina metalúrgica completamente dominada pelas mulheres em pleno Japão medieval. A cidade das mulheres vive em guerra com a floresta, mas também com os samurais do rei e todos os três lados têm os seus motivos.
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