Skip to main content

Heróis e Zeros à Esquerda

Eu tenho a convicção de que não precisamos de heróis de qualquer espécie. Esclareço que acho que admirar alguém é diferente de transformar alguém em herói. Nem heróis literários eu tenho – admiração profunda por vários escritores, sim, mas ficar achando que fulano é gênio, é perfeito, é infalível, é vidente, é um santo, etc… como me disseram uma vez: “me incluam fora dessa”.
Nessa história de criar heróis parece [pode ser preconceito meu, eu admito] que está implícito a idéia de uma admiração desmedida sem senso crítico. Babação de ovo não faz bem nem ao objeto babado, muito pelo contrário. Aliás se você reparar bem vai ver que é muito comum o elogio que esconde uma bomba, a famosa “faca de dois gumes”.
Mas eu moro nos EUA, um país de um sentido quase obsessivamente épico da sua história e identidade, e portanto país de heróis, super heróis e congeners. E imagine meu horror quando escutei o professor do meu filho, então com seis anos, proclamar aos seus alunos cheio de convicção: "Be a hero or be a zero!"
Na hora em que escutei aquilo dito para o meu filho, eu pensei imediatamente: "Ai, caramba, parem o trem agora que eu quero sair!!!"

Comments

e o que você disse ao menino? "filhinho querido, seja feliz e não preste atenção a professores psicoticos?"
Mais ou menos. O problema [e a graça] de crianças da idade do Samuel é que se eu chamasse o professor dele de psicótico, ele provavelmente diria ao professor no dia seguinte: "meu pai me disse que o senhor é um psicótico". Então digamos que eu ataquei o conteúdo da mensagem e deixei o mensageiro para lá. O problema é que praticamente ninguém nativo daqui estranharia o que o professor - um homem aliás razoável e bem intencionado - disse. É só lembrar os filmes para crianças que esse país produz às toneladas, para ver que essa linguagem épica/psicótica impera. Não é de espantar a disponibilidade deles para entrar em uma guerra depois da outra desde a independência praticamente sem intervalo. Se o Brasil tem um complexo de vira-lata como dizia o Nelson Rodrigues, este aqui é definitivamente um país com uma espécie de complexo de Império romano. Imagina que meu filho tem que jurar lealdade à bandeira americana TODOS OS DIAS na escola! Cinco vezes por semana: "Eu juro fidelidade à bandeira americana, etc, blá, blá, blá."
puxa vida; hino nacional em frente à bandeira, por aqui, era coisa da ditadura militar.

peguei um restinho disso no primário. irk.

ainda bem que as filas eram compridas, eu era uma das mais altas e no fundão ninguém se importava muito.

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...