Para quem acha que a letra de duplo sentido na música brasileira é fruto da recente decadência na moral e nos bons costumes do nosso querido Brasil varonil, ofereço como prova do contrário a letra dum Lundu [avô do samba] muito popular no alvorecer da nossa nação, chamado “A marrequinha” de 1835.
Os olhos namoradores
Da engraçada Iaiazinha
Logo me fazem lembrar
Sua doce marrequinha
Refrão: Iaiá, não teime
Solte a marreca
Se eu não morro
Leva-me à breca
Se dançando à brasileira
Quebra o corpo a Iaiazinha
Com ela brinca pulando
Sua bela marrequinha
Refrão
Quem a vê terna e mimosa
Pequenina e redondinha,
Não diz que conserva presa
Sua bela marrequinha
Refrão
Nas margens da Caqueirada
Não há só bagre e taínha:
Ali é que ela criou
Sua bela marrequinha.
Refrão
Tanto tempo sem beber…
Tão jururu… coitadinha!..
Quase que morre de sede
Sua bela marrequinha.
Poesias de Francisco de Paula Brito, 1863 (67-68) [encontrável online aqui]
A letra é de Francisco de Paula Brito (1809-1861), que começou como tipógrafo, comprou encadernadora e gráfica e criou sua própria editora, tipografia, tipografia e livraria na praça Tiradentes no Rio de Janeiro, onde outro jovem tipógrafo (mulato como ele) chamado Joaquim Maria Machado de Assis começaria a trabalhar. E a música é de ninguém menos que Francisco de Paula Brito (1795-1865), autor do Hino Nacional brasileiro. Tereza Pineschi gravou num CD recente essa mesma canção, com uma letra um pouco diferente, mas igualmente insinuante.
Bem como todos sabemos a marrequinha (fig 2) é uma marreca pequena, sendo a marreca a fêmea do marreco. Diz o igualmente vetusto Tinhorão que marrequinha (fig 1) são os babados dobrados amarrados num laçarote na altura das nádegas para fazer o vestido alargar os quadris e acentuar a cintura fina. O terceiro (ou quarto) significado de marrequinha eu não vou ilustrar nem explicar em detalhes porque, afinal de contas, este é um blogue muito sério e familiar.
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