Skip to main content

Encanamento e Arte: Chinua Abebe


Sendo um artista e intelectual africano que por força das circunstâncias passou anos ensinando em universidades do Primeiro Mundo por muito tempo, o nigeriano Chinua Achebe escreveu com propriedade e uma justificada fúria contra o desprezo e condescendência com que sua cultura era tratada por gente que basicamente era completamente ignorante à respeito dela mas mesmo assim tinha certeza de sua inferioridade. Num ensaio ele resume em uma frase o absurdo desse comportamento parodiando o raciocínio a ele subjacente: “Show me a people’s plumbing, you say, and I can tell you their art.”
Essa é uma lição não apenas para os centros da cultura ocidental, mas também para os outros centros, aqueles que poderíamos chamar de centros da periferia. Porque às vezes um brasileiro reclama do desprezo ou condescendência de um francês mas demonstra um desprezo e condescendência igualmente absurdos por um boliviano. Ou um belohorizontino reclama do desprezo e condescendência de um paulista para depois repetir o mesmo desprezo e condescendência para com um diamantino ou montesclarense.

Comments

Por outro lado, é muito difícil a gente entender outras culturas, porque simplesmente não temos referências.

Me incomoda a dificuldade até de encontrar algo diferente: muitas cidades do interior do Brasil ficaram todas iguais, com sobrados caixote e as mesmas lojas vendendo bugigangas. Quando estive em Trinidad e no Paraguay, tive a mesma impressão. Tudo ficou uma grande periferia.
O problema, Sabina, é que para achar as coisas interessantes em qualquer lugar é preciso encontrar primeiro um guia, digamos assim, entendido - alguém que viva no lugar e tenha interesse por coisas que não passam na TV. Eu sei de coisas fantásticas que acontecem em Belo Horizonte e outros lugares de Minas Gerais, mas não são coisas muito visíveis, ninguém dá muito por elas. Por exemplo, uma missa com congado não tem anúncio no caderno cultural do jornal, não tem cartaz na praça, não tem folheto turístico, não tem arquibancada. Nem Belo Horizonte, que é grde pra caramba, se oferece assim de mão beijada a um turista interessado em cultura. Mas a cidade tem [ou tinha porque este ano parece que o negócio gorou] um festival de teatro muito bom. Ouro Preto e Diamantina têm festivais de inverno que são excelentes organizados pela UFOP e pela UFMG. Então as coisas são iguais na superfície: afinal a pobreza é visível mesmo e a Rede Globo está aí, firme e forte. De Paraguai eu só sei Roa Bastos e o filme Hamaca Paraguaya de Paz Encina. De Trinidad eu tive uma aluna que me disse que eles têm um carnaval da pesada. Sabe-se lá, pode ser que não exista nada por lá mesmo.

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...