José Murilo de Carvalho nos informa que “a tortura de presos [durante o Estado Novo] foi investigada e descrita pelo jornalista David Nasser (1917-1980), inicialmente em seis reportagens publicadas na revista O Cruzeiro – a primeira delas em 29 de outubro de 1946 – e, depois, em livro de 1947. As publicações foram intituladas Falta alguém em Nuremberg. Esse alguém era o capitão do Exército Filinto Müller (1900-1973), chefe de Polícia da capital de 1933 e 1942. Os principais instrumentos de tortura mencionados em depoimentos no Congresso e registrados por David Nasser eram: o maçarico, que queimava e arrancava pedaços de carne; os ‘adelfis’, estiletes de madeira que eram enfiados por baixo das unhas; os ‘anjinhos’, espécie de alicate para apertar e esmagar testículos e pontas de seios; a ‘cadeira americana’, que não permitia que o preso dormisse; e a máscara de couro.”
Em entrevista à Folha de São Paulo, Joel Silveira acrescenta, “A tortura no Brasil começou depois de 35, depois da repressão violenta, depois da burrada do Prestes. Aquela repressão desfechada pelo Filinto Muller. A coisa virou um acordo. Criou-se o primeiro acordo internacional de torturadores: a Alemanha mandou para cá elementos da Gestapo. Então começou a surgir a tortura científica. Porque até aquela época era na base do cassetete mesmo. Logo depois do golpe a coisa foi terrível, vários morreram, tem gente mutilada.”
Filinto Müller foi chefe da polícia do Rio de Janeiro de 1933 até o fim do Estado Novo. Impune apesar dos seus crimes, o militar ex-tenente e ex-delegado que era fã de Himmler foi eleito senador pelo Estado de Mato Grosso em 1947. Quando 1964 chegou, Filinto Müller arregaçou as mangas: era líder do PSD, foi líder do novo governo em 1964 e líder da Arena, o partido de sustentação do regime militar, de 1966 a 1968. Em 1969, com o endurecimento do regime, Filinto Müller virou presidente da Arena. Morreu num acidente em 1973 e recebeu todas as glórias do regime militar e uma ala do senado tem hoje o seu nome.
A turma do "deixa disso" que me perdoe, mas é isso o que pode acontecer [de novo] com um país que prefere esquecer seu passado. Vinte quatro anos separam o fim do Estado Novo e a ascenção de Filinto Müller a um quadro importante da nossa próxima ditadura, que, por sinal, acabou há vinte e cinco anos. Espero que o país não caia mais uma vez na tentação de um regime autoritário, mas suponho que os Filintos da ditadura militar, igualmente impunes, estejam de prontidão, esperando.
Comments