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Showing posts from December, 2011

Poesia Minha - Homenagem a José Gorostiza

[arte: desenho e colagem em ficha de biblioteca de Paulo Moreira] Morte sem fim ¡Hazme, Señor, Un puerto en las orillas de este mar! Eis o meu poema, pesadelo surdo da carne, que queima, punciona, rói, sangra. Flor que se abre pra dentro, estéril, cheia de mim, repetindo; presa na epiderme que me define, cheia de mim. Eu, seco como a sede do gesso, padecendo a fome do ar que respira, por um Deus inalcançável, rancor da molécula. Pântano de espelhos, solidão em chamas. Surdo pesadelo da carne. Ilhas de monólogos sem eco. Topo dum tempo paralítico. Ínfimo do olho que segue o curso da luz pela pele da gota de orvalho. Flor que se abre para dentro, afogada n’água estrangulada no copo. Poema que se afoga na garganta – Resta o poço ressecado, esgar de agonia: o poema.

O Jingo

Um estrangeiro é um estrangeiro. Assim como imagino gringos se perguntaram que diabos esse povo todo está fazendo na beira da praia no ano novo, eu vou passando à margem do calendário babilônico do segundo semestre: primeiro o Ralo [Halloween], meu preferifo; depois o Tanco [Thanksgiving], com intermináveis debates na mídia sobre receitas de peru assado, e finalmente o Jingo [Natal], parecido com o Brasil até certo ponto. Até certo ponto porque faz um frio de matar [não este ano, felizmente] e porque simplesmente TODAS as lojas e estabelecimentos comerciais tocam música de natal 24 horas por dia. Country Jingo, Rap Jingo, balada Jingo, Jingo Folk, Jingo Rock e assim vamos com 345 versões diferentes de Jingle Bells e companhia. Então, com objetivos puramente etnológicos, escolhi aquela que representa o fim da picada: Grandma got runned over by a reindeer Walking home from our house Christmas Eve. You can say there's no such thing as Santa, But as for me and Grandpa, we believe. She...

Montagem desajeitada sobre o pesadelo

Esse post vai em forma de montagem. 1. Nota da New Yorker sobre o candidato a candidato a presidente Newt Gingrich: In a debate a few days earlier, on Fox News, [Newt Gingrich] had called America’s courts “grotesquely dictatorial”; he said that he had “warned” Supreme Court Justices to their faces that if “you keep attacking the core base of American exceptionalism, and you are going to find an uprising against you which will rebalance the judiciary.” He told Schieffer [at CBS] that he was ready to send the Capitol police to bring judges to Congress to explain their decisions, to abolish entire courts, and, as President, to put his hands over his ears and pretend that he didn’t hear rulings that he didn’t like. 2. Post do poeta Charles Simic sobre o espetáculo de horrores das primárias republicanas, sobre o teatro de horrores da Fox News, sobre as nuvens pretas que se aproximam dos Estados Unidos: “I mustn’t forget, either, that I was surrounded by political exiles in my you...

O Porto Maravilha e o Valongo

“Sem esquife e sem a menor peça de roupa são atirados numa cova que nem tem dois pés de profundidade. Levam o morto e o atiram no buraco como a um cão morto, põem um pouco de terra em cima e se alguma parte do corpo fica descoberta, socam-no com tocos de madeiro, formando um mingau de terra, sangue e excrementos.” Carl Seidler, testemunha ocular, descreve o cemitério do Valongo, que a copa do mundo tirou da tumba do esquecimento, no livro Dez anos no Brasil . Sobre as pesquisas e sobre o genocídio que o Brasil finge que nunca aconteceu, leia aqui . Eram 50 "casas de carne" comerciando homens, mulheres e crianças africanas. Eis uma outra testemunha ocular, Charles Brand : “A primeira loja de carne em que entramos continha 300 crianças, do sexo masculino e feminino. O mais velho podia ter 12 ou 13 anos e o mais novo, não mais de 6 ou 7. Os coitadinhos ficavam agachados num armazém imenso, as meninas de um lado e os meninos do outro para ser m...

Poesia Americana 5: ANDREW ZAWACKI

Fermata One of me stuttered and one of me broke, and one of me tried to fasten a line to one of me untying it from me. One of me watched a fisherman haul a sand shark from the breaker, while another was already years later, returned to where a local man baited for striper but landed a shark. One of me sat under olivine clouds, clouds of cerise, a courtesan sky, and one of me sunned himself as a child, imagining a fish-rod turned fermata. One waved a sash of cornflower blue, one heard a windmill, one heard the wind, one waved goodbye to an imminent leftover love. And one strolled barefoot and sunburnt across the nickel inhibitions of afternoon, tossing amber bottles at a smoke tree, the gun lake, swimming toward his family on the dock as twilight fell, as the same boy stayed behind to look at him swim. One believed a father could be killed by falling rock, and one woke up to find he’d only dreamt, although his father was dead, and one believed in a beautiful house not bui...

Feliz Aniversário, Belo Horizonte

[imagem: sobreposição de mapa do plano original de Belo Horizonte e da vila do Curral Del Rey] Quando fez 114 anos Belo Horizonte ganhou de presente um daqueles temporais de verão épicos que, justiça seja feita, acontecem todos os verões com menor ou maior intensidade. Os jornais e a população olham para o céu e se perguntam porque mas a questão está debaixo dos seus pés. Belo Horizonte sepultou seus muitos rios, ribeirões e córregos. E os sepultados vivos saem debaixo da terra e vem cobrar aos patetas que vivem hoje a sua estupidez: Mas não adianta; só uma senhora ensaia um queixa contra a "linha verde" que o jornal se apressa em descartar com uma declaração da prefeitura. Tudo culpa dos céus ou da caprichosa "vazão dos córregos". Feliz aniversário, Estúpido Horizonte de onde eu vim, que me fez quem eu sou, que eu amo. Nessas horas, no frio da Nova Inglaterra, eu só penso no final de Absalom, Absalom: "Tell about the South," said Shreve McCannon. "Wh...

Daniel Sada - A língua espanhola perde um de seus maiores 2

Eis aqui o início de um dos meus contos favoritos de Daniel Sada, “El basilisco”: “Preciosa o más bien agresiva, la serpiente café se desliza a la sorda por entre los escobos – en el solar, al fondo, allá adonde nadie entra –; aciaga, temeraria, querrá encontrar quizá el escondrijo idóneo o mostrarse, larguísima cual es, ante una equis mirada. ¡El niño estupefacto es quien la ve! Parece la raíz de un árbol centenario que por arte de magia cobra vida. Oronda avanza, falsa, hacia el espacio ideal donde sus serpenteos y su color pudieran diluirse entre las gándaras. Y el niño echa a correr con su alarido al viento, pretende dar aviso a sus padres ¿dónde? Aumenta su clamor.” Quem conhece Guimarães Rosa reconhece a sintaxe bem “solta” da frase que desliza como a “serpente café”. Também reconhece o uso peculiar de certa dicção culta desprovida dos clichês que marcam a linguagem murcha dos jornais, por exemplo. Também reconhece o senso de dramatismo peculiar na narr...

Daniel Sada - A língua espanhola perde um de seus maiores

Morreu mês passado um dos maiores escritores da língua espanhola, um gênio. Enquanto perdíamos tempo com escritores de terceira vindos do México para tomar caipirinhas aprazíveis no inverno de Paraty, Daniel Sada, conhecedor profundo de literatura brasileira e de Guimarães Rosa ainda não foi traduzido ao português. Uma pena. Para quem lê em espanhol trago o começo de um conto maravilhoso "El Fenómeno Ominoso" [que pode ser lido aqui ] e uma leitura do propio Sada do conto. EL FENÓMENO OMINOSO Se puede vivir lejos, muy lejos, allá donde no llega ninguna carretera ni hay vías de tren cercanas: en un viejo aposento perdido en la llanura; allá donde no existen ni veredas fortuitas ni enemigo que salte, en ese duro espacio que amolda voluntades y cede al abandono dejando tras de sí los aires mundaneros, la humeante sociedad que nunca para, la tentaciones prontas. A cambio… Optar y para siempre por el retiramiento, por la experiencia viva que afina los sentidos y alarga cuanta form...

Poesia Minha - Anatomia da leitura como cacofonia

Anatomia da leitura como cacofonia Renacerán vocablos muertos y morirán los que ahora están en boga, si así lo quiere el uso, árbitro, juez y dueño en cuestiones de lengua. Horacio Deitado na rede respirando o ar límpido, fase tropical do meu inverno constante, do futuro leio cartas de cinquenta anos: uma tradução solar duma estação no inferno. Nela ao mesmo tempo falam eu, o poeta e o tradutor; falam duas línguas tronchas e também uma terceira, zumbi monstro da lagoa, meta-matéria incolor refratando ao contrário verdades recônditas rascunhadas pelas margens entre as duas páginas da folha em minhas mãos vejo um palco iluminado onde cantam ódio e amor e suas dezessete gradações em surdina no meu ralo coração esburacado. Do vizinho canta o galo da noite suja de Belo Horizonte. Da sua rede canta tu, leitor, do domingo universal canta o rabo do tatu. Cantam todos juntos, multidão mambembe, ...

Poesia Mexicana 2 - José Emilio Pacheco [de novo]

Vidas de los poetas En la poesía no hay final feliz. Los poetas acaban viviendo su locura. Y son descuartizados como reses (sucedió con Darío). O bien los apedrean y terminan arrojándose al mar o con cristales de cianuro en la boca. O muertos de alcoholismo, drogadicción, miseria. O lo que es peor: poetas oficiales, amargos pobladores de un sarcófago llamado Obras completas. Irás y no volverás , 1973

Poesia Mexicana 1 - José Emilio Pacheco

[ilustração: escultura de Gabriel Orozco] Manifiesto Todos somos “poetas de transición”: La poesía jamás se queda inmóvil. Irás y no volverás , 1973

Rir para não chorar: 15 minutos e 17 segundos

[Ilustração: Retrato de Lucian Freud feito por Francis Bacon] Então deixa ver se eu entendi: o "debate da sociedade" sobre Belo Monte vai ser feito em torno de argumentos apresentados em um filme de 8 minutos com um monte de atores famosos falando em segmentos de 10 segundos e outro filme de 7:17 com um batalhão de estudantes da UNICAMP falando do mesmo jeito? Quer dizer que em exatos 15 minutos e dezessete segundos eu vou saber tudo o que preciso saber para emitir meu juízo também? Seria coincidência que juntos eles dão os tais 15 minutos de fama de que o Warhol falava?

Prosa minha 2

[continuando o texto anterior...] Ninguém sabe onde fica a curva depois da qual os caminhos param de se bifurcar e a gente se vê obrigado a seguir sempre em frente até o fim. Alguns nem sabem que essa curva existe, e seguem assim até que passe a tal curva. A partir daí, avistamos uma dolorosa ladeira descendo em linha mais ou menos reta até um ponto final que, por mais distante que pareça, fica então perfeitamente visível. Hoje percebi que acabei de passar por essa curva. Isso não quer dizer que não haja escolhas. Há muitas maneiras de se descer uma ladeira. As opções são combinações possíveis numa linha contínua entre dois extremos: de um lado solta-se o corpo sem freio para abraçar num trompaço vertiginoso o que fica lá embaixo; do lado oposto, vamos descendo bem devagarinho, o freio de mão todo puxado, a pastilha do freio queimando fumaça até o osso, até o limite do impossível.

Prosa minha

[ilustração: Elizabeth Murray, "Snake Cup"] A hora mais interessante do dia é quando não tem ainda ninguém acordado na rua. Essa é a melhor hora para vir para a janela pensar, ainda mais depois de uma noite em claro – minha rotina é feita de noites assim intercaladas por outras, em que caio na cama às oito horas da noite, exausto, e acordo no meio da madrugada.

Diário da Babilônia - The New Enquiry

The New Enquiry é uma iniciativa de um grupo de jovens de mais ou menos 25 anos que moram em Nova Iorque e são apaixonados por literatura. Essa geração tem sido profundamente afetadas por duas crises: a do mundo editorial e a da academia. As possibilidades de profissionalização são escassas e frustrantes, num ambiente onde o medo e o comodismo imperam. Na revista eles encontraram um meio aberto a trabalhos amadores de altíssima qualidade - você pode até não gostar os artigos, achar tudo meio pedante e definitivamente provinciano, mas não é a coleção de abobrinhas que a gente costuma ler na internet. [faço aqui um breve parêntesis: eu sei que parece loucura minha, mas acho que não há lugar mais provinciano no mundo que Nova Iorque - nem São Paulo chega perto. E quem achar que eu estou de sacanagem, me diga: uma revista - The New Yorker - com um artigo de três páginas sobre os carrinhos de cachorro quente da cidade é o quê?] Além da revista eletrônica, uma vez por semana eles se encontr...