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Traduzindo: sobre o exílio


Foto minha: vista das mesas de estudo na área reservada da biblioteca Sterling em Yale
Hugo da Abadia de São Vítor (1115-1133) escreveu uma espécie de manual didático, Didascalicon. Adoro um trecho do Livro 3, Capítulo 19 (os capítulos em geral são bem curtinhos) que se chama "Sobre terras estrangeiras". Só me encontrei com um texto medieval assim por graça daquele exilado-mor chamado Auerbach. O Didascalicon é prosa, mas quis (por capricho de quem escreve a 35 moscas depois de dez anos de blogância) fazer versos com o trecho abaixo:

Em português com tradução e versificação minhas:

Delicado é aquele
para quem a patria é doce;
forte mais além é aquele
para quem pátria é toda a terra;
mas veramente completo
é aquele para quem
o mundo todo é exílio.

Um fixa seu desejo mundano,
o outro o espalha pelo mundo
e o terceiro simplesmente o extingue. 

Exilado desde menino,
sei da pena de deixar para trás
um lar num barraco pobre de gente da terra
e sei depois do franco desprezo
por pisos de mármore e tetos forrados.


Em inglês na tradução de Jerome Taylor com versificação minha:

"The man who find his homeland sweet
is still a tender beginner;
he to whom every soil is as his native one
is already strong;
but he is perfect to whom the entire world
is a foreign land.

The tender soul has fixed his love
on one spot in the world;
the strong man has extended his love 
to all places;
the perfect man has extinguished his.

From boyhood I have dwelt on foreign soil,
and I know with what grief sometimes the mind
takes leave of the narrow hearth of a peasant's hut,
and I know, too, how frankly
it afterwards disdains marble firesides and paneled halls."

Hugo da Abadia de São Vítor (1115-1133)
Didascalicon, Livro 3, Capítulo 19, "On a Foreign Soil"


E no original em latim e em prosa:
Delicatus ille est adhuc cui patria dulcis est; fortis autem iam, cui omne solum patria est; perfectus vero, cui mundus totus exsilium est. Ille mundo amorem fixit, iste sparsit, hic exstinxit. Ego a puero exsulavi, et scio quo maerore animus artum aliquando pauperis tugurii fundum deserat, qua libertate postea marmoreos lares et tecta laqueata despiciat.




Comments

bonita tradução.
Obrigado, Sabina. Aquela resenha que eu fiz do seu livro já saiu. Vc viu?

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