Skip to main content

Diário da Babilônia: Chester Nez

Chester Nez foi proibido de falar sua língua materna quando foi para a escola. A punição por não se comunicar com seus colegas em inglês podia ser uma surra ou ter a boca lavada com sabão. Ironicamente na Segunda Guerra Mundial Chester e outros navajos foram convocados pelo exército americano para desenvolver um código baseado em sua língua materna para ser usado no Pacífico, código esse que os japoneses nunca conseguiram decifrar.
O código envolvia mais do que simples traduções para o navajo de mensagens em inglês. Por exemplo, os Estados Unidos eram chamados de “ne-he-mah” (“nossa mãe”); “Navio de Guerra” era “lo-tso” (“baleia”); “submarino” era “besh-lo” (“peixe de ferro”) e “destroyer” era “ca-lo” (“tubarão”). Além disso cada letra em inglês podia também ser substituída por uma palavra do Navajo de uma palavra em inglês que começava com aquela letra. Por exemplo, “A” poderia ser “wol-la-chee” (“ant”), “be-la-sana” (“apple”) ou “tse-nill” (“ax”); B era “na-hash-chid” (“badger”), “shush” (“bear”) ou “toish-jeh” (“barrel”) e assim em diante. 
Chester era um dos primeiros 29 navajos convocados para criar o código. Eles chegaram a ser mais de 400; em todos os cantos da guerra no Pacífico era um navajo em cada ponta do rádio, trabalhando às vezes 35 horas sem descanso no meio de combates brutais. O próprio Chester dizia que durante a Segunda Guerra Mundial ele e seus companheiros Navajo "éramos máquinas de código" - outras tribos fizeram o mesmo papel na guerra na Europa e na África. E o que acontece com uma máquina quando ela não tem mais utilidade? 
Quando voltou para a "ne-ne-mah" Chester ainda não tinha sequer o direito de votar e quando foi registrar-se para receber a carteira de identidade de indígena o funcionário do governo disse a ele: "Você sabe que não é um cidadão pleno dos Estados Unidos" [You’re not a full citizen of the United States, you know]. Proibido por questões de segurança de falar com qualquer pessoa sobre suas atividades no batalhão 382 dos marines [ele ainda serviria na guerra na Coréia], Chester passou mais de cinco meses no hospital militar atormentado pela angústia e pelos pesadelos causados pelo que ele viu na guerra:

“We would land on the beaches, which were littered with dead Japanese bodies. My faith told me not to walk among the dead, to stay away from the dead. But which soldier could avoid such? This was war. War is death. I walked among them.”

Em entrevista em 2002 Chester foi sucinto e preciso: “All those years, telling you not to speak Navajo, and then to turn around and ask us for help with that same language. It still kind of bothers me.” 

Comments

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...