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Tradução: Eu puto, tu putas, ele puta, nós putamos, vós putais e eles putam

Um exemplo fascinante de uma tradução que sai dos trilhos por motivos que nada têm a ver com a tradução em si é a seguinte frase famosa do dramaturgo romano Terencio:

Homo sum: humani nihil a me alienum puto.

Destrinchando rapidamente a frase:

homo e humani não precisam de explicação, suponho;
sum é “sou”;
nihil é “nada”;
puto é a primeira pessoa singular do verbo putare [nada de pensar em bobagem] que significa aqui “considerar” [dele veio nosso “imputar”]
alienum é “alheio”
a me é “a mim” ou “para mim”

A famosa frase foi traduzida elegantemente nem sei por quem como:

“Sou um homem: nada do que é humano me é estranho”

Não há nada de errado com a tradução, não é?

O problema é que na peça de onde ela vem, Heautontimoroumenos (“o que se pune a si próprio” - em grego, que por sinal dá uma vontade danada de traduzir como “O masoquista” …), essa fala vem de um personagem que se intromete na vida dos outros e está cinicamente defendendo o seu direito de se meter onde não é chamado dizendo alguma coisa mais ou menos assim:

“Eu sou do mundo, então nada da vida de todo mundo não me diz respeito”.

Minha tradução é feia e desajeitada, meio como traduzir Heautontimoroumenos como “O masoquista”, que é uma piada muito metido à besta. Se eu fosse contratado para traduzir a peça não tenho ideia do que eu faria – aliás não faria nada porque ia me custar um tempão para acabar de me meter onde não tinha que me meter depois de míseros dois anos de latim sem fazer um monte de lambanças.

O que acontece com a tradução famosa não tem nada a ver com a tradução em si. O problema é que ela é citada frequentemente como exemplo do humanismo clássico de Terêncio ou dos romanos em geral, que se interessariam nobremente por tudo que é da existência humana e coisa e tal. Apesar de ser uma comédia, a peça foi escrita antes de Cristo e as pessoas não tendem a associar esse tipo de “baixeza” àqueles tempos em que todo mundo andava de toga e sandálias [aparentemente].


Então a tradução da frase precisaria lidar com essa tendência a fazer uma mistranslatation [outro espeto é traduzir elegantemente mistranslation e mistranslate para português]? Sinceramente não sei.

Comments

Anonymous said…
Instrutivo.
Tata.
Diego said…
Já dizia o francês: Puto ergo sum.
É isso aí.
Unknown said…
ÓTIMO TEXTO! Obrigado

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