O discreto magnata da
imprensa, dono do jornal em inglês de maior circulação no mundo [4.300.000 a
exemplares por dia], tem, de repente, mais um dos seus momentos de filósofo:
“Acho que História
não existe e, se eu fosse primeiro-ministro da Índia, baniria o estudo dessa
disciplina nas nossas escolas."
A nem tão discreta
escritora de um romance escandaloso sobre a alta sociedade em Mumbai e Nova
Dehli, editora e organizadora de vários desses estranhos festivais literários,*
retruca de bate pronto:
"Vamos fazer o
seguinte: eu lhe dois tapas bem dados e um chute na canela, e se você não
conseguir se lembrar deles eu concordo com a sua tese sobre a inexistência da
história."
O magnata ri
educadamente, vira-se para o outro lado e ignora a escritora pelo resto da
noite.
A pequena anedota, que li num longo perfil sobre o tal magnata, me chamou a atenção para a tal escritora. Procurei um livro recente dela, seu único livro de contos, porque não teria tempo
de ler o tal romance escandaloso. O conto que escolhi – que dava título ao livro – começava assim:
“O hábito de sofrer
pode ser tão insidioso quanto o hábito de amar. Quando eu era uma jovenzinha,
encontrei um homem da minha idade. Nós nos apaixonamos, nos casamos, tivemos
filhos, brigamos, continuamos juntos, e agora ele estava morto e eu…”
Dali para frente eu fui desgostando da prosa e acabei desistindo de ler o conto até o final. Uma
larga experiência me diz que nove em dez vezes esse tipo de juízo estético é um
ato de narcisismo mal-disfarçado de objetividade. Dali para
frente ela já não escrevia sobre mim, suas palavras já não podiam ser minhas.
*Não tenho, à
princípio, nada contra festivais literários e nem muita experiência nesse tipo
de evento. Fui a um deles uma vez. Acho esse tipo de evento estranho porque num
festival de música, teatro ou cinema as pessoas passam [ou pelo menos podem
passar] o tempo todo assistindo a concertos, peças e filmes, enquanto num
festival literário - pelo menos desses que exilam a poesia [justamente o
potencialmente mais social dos gêneros literários] - as pessoas passam o tempo
todo falando e o único jeito de ler alguma coisa é trancar-se no quarto do
hotel.
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