Arte minha: Auto-Retrato em Estado de Carnaval |
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A depressão é o resultado de um desejo profundo do corpo por esse
prolongado repouso absoluto, um desejo expressado em um tom menor,
introspectivo, almejando ao sussurro quase imperceptível. O corpo deprimido chegou
ali porque foi antes exaurido por um estado permanente de ansiedade tensionada
e abertura forçada pelos achaques constantes das estruturas de produção [que
demandam contenção e eficiência e gritam que menos custos nunca é menos o
suficiente] e as estruturas de consumo [que demandam expansão e gasto e gritam
que mais gastos nunca é mais o suficiente]. Exaurido o corpo em desespero pede
arrego, fecha-se lentamente em si mesmo como uma ostra e mergulha numa calda
espessa de infelicidade imóvel e dormente. Essa vontade extrema de imobilidade
incomoda ao nosso mundo e é combatida tenazmente pela psiquiatria principalmente
por ser involuntariamente subversiva ao fazer cessar a contribuição do
indivíduo nas rodas cada vez mais vorazes da produção e do consumo – ele custa
mais porque produz menos e consome menos porque o desejo fica em profunda
dormência.
Mas a depressão não é apenas subversão involuntária. A depressão é também
uma negação sombria e radical da aventura da dissonância que abre o corpo para
o mundo. Sombria, radical e trágica: o repouso estável do deprimido já não o livra,
nem com a mais perfeita imobilidade, da presença exaustiva do peso cego e duro
da gravidade.
Enquanto a depressão explicita o quanto há de morte na perfeição estática
de um repouso consonante 24 horas por dia, a ansiedade explicita o quanto há de
morte também na precariedade dissonante vivida 24 horas por dia. Na sua
expressão mais aguda a ansiedade é o resultado de uma aceleração extrema que
aproxima o nosso corpo dos movimentos bruscos e automáticos de um corpo
traumatizado pela inesperada explosão de uma bomba. Essa expressão mais aguda é
o ataque de pânico, que também incomoda nosso mundo e é combatida tenazmente pela
psiquiatria não tanto pelo sofrimento que traz mas pelo fato de que ele também incapacita
o indivíduo para a produção e o consumo.
Num poema contrastei as duas moléstias de forma sintética da seguinte maneira:
O pânico espreme,
a depressão sufoca.
O pânico aponta para cima,
a depressão aponta para baixo.
O pânico acelera,
a depressão desacelera.
O pânico explode,
a depressão implode.
O pânico é o maquinário do corpo
batendo pino,
a depressão é o maquinário do corpo
fundindo o motor.
O pânico se sente no corpo como pressão,
a depressão o corpo sente como imersão
num nada opaco e viscoso.
O pânico ara o campo
no qual a depressão depois semeia
sua morte em vida.
O pânico derruba o tronco
onde o cogumelo da depressão viceja.
O pânico e a depressão se alimentam
tanto da pressão
feita pela razão surda
da produção
quanto da pressão
feita pela emoção cega
do consumo.
a depressão sufoca.
O pânico aponta para cima,
a depressão aponta para baixo.
O pânico acelera,
a depressão desacelera.
O pânico explode,
a depressão implode.
O pânico é o maquinário do corpo
batendo pino,
a depressão é o maquinário do corpo
fundindo o motor.
O pânico se sente no corpo como pressão,
a depressão o corpo sente como imersão
num nada opaco e viscoso.
O pânico ara o campo
no qual a depressão depois semeia
sua morte em vida.
O pânico derruba o tronco
onde o cogumelo da depressão viceja.
O pânico e a depressão se alimentam
tanto da pressão
feita pela razão surda
da produção
quanto da pressão
feita pela emoção cega
do consumo.
O pânico é uma contingência,
a depressão é uma substância.
O pânico expressa
o que a depressão exprime.
o que a depressão exprime.
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