Skip to main content

Breve ensaio sobre tudo sob forte efeito de alucinógenos - Parte 2

Arte minha: Auto-Retrato em Estado de Carnaval

2
A depressão é o resultado de um desejo profundo do corpo por esse prolongado repouso absoluto, um desejo expressado em um tom menor, introspectivo, almejando ao sussurro quase imperceptível. O corpo deprimido chegou ali porque foi antes exaurido por um estado permanente de ansiedade tensionada e abertura forçada pelos achaques constantes das estruturas de produção [que demandam contenção e eficiência e gritam que menos custos nunca é menos o suficiente] e as estruturas de consumo [que demandam expansão e gasto e gritam que mais gastos nunca é mais o suficiente]. Exaurido o corpo em desespero pede arrego, fecha-se lentamente em si mesmo como uma ostra e mergulha numa calda espessa de infelicidade imóvel e dormente. Essa vontade extrema de imobilidade incomoda ao nosso mundo e é combatida tenazmente pela psiquiatria principalmente por ser involuntariamente subversiva ao fazer cessar a contribuição do indivíduo nas rodas cada vez mais vorazes da produção e do consumo – ele custa mais porque produz menos e consome menos porque o desejo fica em profunda dormência.
Mas a depressão não é apenas subversão involuntária. A depressão é também uma negação sombria e radical da aventura da dissonância que abre o corpo para o mundo. Sombria, radical e trágica: o repouso estável do deprimido já não o livra, nem com a mais perfeita imobilidade, da presença exaustiva do peso cego e duro da gravidade.
Enquanto a depressão explicita o quanto há de morte na perfeição estática de um repouso consonante 24 horas por dia, a ansiedade explicita o quanto há de morte também na precariedade dissonante vivida 24 horas por dia. Na sua expressão mais aguda a ansiedade é o resultado de uma aceleração extrema que aproxima o nosso corpo dos movimentos bruscos e automáticos de um corpo traumatizado pela inesperada explosão de uma bomba. Essa expressão mais aguda é o ataque de pânico, que também incomoda nosso mundo e é combatida tenazmente pela psiquiatria não tanto pelo sofrimento que traz mas pelo fato de que ele também incapacita o indivíduo para a produção e o consumo.
Num poema contrastei as duas moléstias de forma sintética da seguinte maneira:
O pânico espreme,
a depressão sufoca.

O pânico aponta para cima,
a depressão aponta para baixo.

O pânico acelera,
a depressão desacelera.

O pânico explode,
a depressão implode.

O pânico é o maquinário do corpo
batendo pino,
a depressão é o maquinário do corpo
fundindo o motor.

O pânico se sente no corpo como pressão,
a depressão o corpo sente como imersão
num nada opaco e viscoso.

O pânico ara o campo
no qual a depressão depois semeia
sua morte em vida.

O pânico derruba o tronco
onde o cogumelo da depressão viceja.

O pânico e a depressão se alimentam
tanto da pressão
feita pela razão surda
da produção
quanto da pressão
feita pela emoção cega
do consumo.

O pânico é uma contingência,
a depressão é uma substância.


O pânico expressa
o que a depressão exprime.

Comments

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema