Hoje caiu por terra completamente humilhado o homem-modelo, o famoso homem de sucesso, que se via como modelo de tudo que estava certo e era o retrato do bom senso, que um dia fez um longo discurso cheio de sarcasmo no NAACP culpando a própria comunidade afro-americana pelos seus problemas, inclusive pela violência policial:
Verificou-se há tempos, com base em inúmeros testemunhos de mulheres diferentes, que ele abusou sexualmente de inúmeras mulheres durante anos e anos. E eu não vou aqui ocupar a cadeira na qual ele se refestelava quando fazia seus discursos dizendo exatamente o que as pessoas precisavam fazer e evitar "para fazer Jesus sorrir". Eu quero distância dessa cadeira dos justos e dos indignados que apontam o dedo na cara dos outros e os acusam sem dó nem piedade em defesa da família e dos valores de antigamente, quando supostamente vivíamos um mundo de responsabilidade e esforço.
Por um lado, Bill Cosby é simplesmente um ser humano profundamente falho, exatamente como o catolicismo que eu conheci com os jesuítas enxergava a todos nós que perambulamos esse planeta. E os jesuítas então ensinavam para quem quisesse ouvir: você, que não é santo, deve olhar bem de perto para todas as suas falhas antes de ficar apontando as falhas dos outros e aprender com elas a virtude da humildade. O que realmente impressiona em Bill Cosby não é as suas fraquezas, mas a imensidão da hipocrisia que cultivava uma aura de modelo para todas as pessoas da sua comunidade julgando-as com tanta dureza e nos bastidores abusava do seu poder como homem rico e conhecido para forçar mulheres que ele entorpecia a terem relações sexuais com ele nas quais elas faziam o papel de um boneco inanimado. Impressiona e assusta. Bill Cosby é um ser humano. Bill Cosby é um homem. Para saber evitar as suas terríveis fraquezas deveríamos começar por aí.
Esse é um dos calcanhares de Aquiles da cultura puritana que os Estados Unidos espalham até certo ponto pelo mundo inteiro: viver para julgar duramente todos os outros em volta, amar intensamente a máscara de santo, de mártir da verdade e de justo. Os Calvinistas lá na velha Nova Inglaterra viviam em comunidades intensamente unidas por esse ódio visceral ao pecado [principalmente o pecado dos outros]. As redes sociais estão profundamente imbuídas dessa fraqueza bruta, essa intolerância que caça e queima bruxas, enforca hereges e lincha criminosos em júbilo. As fogueiras hoje ardem de alegria pela carcaça de um Bill Cosby cego e andando de bengala.
Sou hoje ainda mais ateu do que era quando me neguei sozinho a fazer a primeira comunhão na escola, sem perceber que meu ato seria interpretado como insulto e soberba. Mas lá com os jesuítas que me atormentaram a vida um bocado também, eu me sinto profundamente triste pelas pessoas que ele fez sofrer tanto. E penso na cultura dentro da qual ele cresceu como cresceu e reconheço essa cultura como a cultura onde eu cresci. Sem essa loucura perversa que ele tinha dentro dele, não tenho dúvidas, mas com a mesma visão estrábica que o machismo impõe a todos os homens, que têm tanta dificuldade em ver as mulheres de carne e osso ali tão perto dele, mesmo depois de anos e anos de vida em regime de convivência desde a escola. Além da lição de humildade e misericórdia, aprendi também a ver as mulheres por trás de duas máscaras: uma de Maria/virgem/mãe e outra de Eva/destruidora do paraíso do lar cristão. Desaprendi a ver santas divindades da pureza e vadias monstruosas da perdição, mas num longo e às vezes doloroso processo onde me ajudaram igualmente as pessoas à minha volta e o mundo [esse mesmo mundo tão terrível às vezes] que parece despertar de um longo sono patriarcal [parece, quem sabe? O suficiente para me acordar.].
"These are people going around stealing Coca Cola. People getting shot in the back of the head over a piece of pound cake! Then we all run out and are outraged, 'The cops shouldn't have shot him' What the hell was he doing with the pound cake in his hand? (laughter and clapping). I wanted a piece of pound cake just as bad as anybody else (laughter) And I looked at it and I had no money. And something called parenting said if get caught with it you're going to embarrass your mother. Not you're going to get your butt kicked. No. You're going to embarrass your mother. You're going to embarrass your family."
Por um lado, Bill Cosby é simplesmente um ser humano profundamente falho, exatamente como o catolicismo que eu conheci com os jesuítas enxergava a todos nós que perambulamos esse planeta. E os jesuítas então ensinavam para quem quisesse ouvir: você, que não é santo, deve olhar bem de perto para todas as suas falhas antes de ficar apontando as falhas dos outros e aprender com elas a virtude da humildade. O que realmente impressiona em Bill Cosby não é as suas fraquezas, mas a imensidão da hipocrisia que cultivava uma aura de modelo para todas as pessoas da sua comunidade julgando-as com tanta dureza e nos bastidores abusava do seu poder como homem rico e conhecido para forçar mulheres que ele entorpecia a terem relações sexuais com ele nas quais elas faziam o papel de um boneco inanimado. Impressiona e assusta. Bill Cosby é um ser humano. Bill Cosby é um homem. Para saber evitar as suas terríveis fraquezas deveríamos começar por aí.
Esse é um dos calcanhares de Aquiles da cultura puritana que os Estados Unidos espalham até certo ponto pelo mundo inteiro: viver para julgar duramente todos os outros em volta, amar intensamente a máscara de santo, de mártir da verdade e de justo. Os Calvinistas lá na velha Nova Inglaterra viviam em comunidades intensamente unidas por esse ódio visceral ao pecado [principalmente o pecado dos outros]. As redes sociais estão profundamente imbuídas dessa fraqueza bruta, essa intolerância que caça e queima bruxas, enforca hereges e lincha criminosos em júbilo. As fogueiras hoje ardem de alegria pela carcaça de um Bill Cosby cego e andando de bengala.
Sou hoje ainda mais ateu do que era quando me neguei sozinho a fazer a primeira comunhão na escola, sem perceber que meu ato seria interpretado como insulto e soberba. Mas lá com os jesuítas que me atormentaram a vida um bocado também, eu me sinto profundamente triste pelas pessoas que ele fez sofrer tanto. E penso na cultura dentro da qual ele cresceu como cresceu e reconheço essa cultura como a cultura onde eu cresci. Sem essa loucura perversa que ele tinha dentro dele, não tenho dúvidas, mas com a mesma visão estrábica que o machismo impõe a todos os homens, que têm tanta dificuldade em ver as mulheres de carne e osso ali tão perto dele, mesmo depois de anos e anos de vida em regime de convivência desde a escola. Além da lição de humildade e misericórdia, aprendi também a ver as mulheres por trás de duas máscaras: uma de Maria/virgem/mãe e outra de Eva/destruidora do paraíso do lar cristão. Desaprendi a ver santas divindades da pureza e vadias monstruosas da perdição, mas num longo e às vezes doloroso processo onde me ajudaram igualmente as pessoas à minha volta e o mundo [esse mesmo mundo tão terrível às vezes] que parece despertar de um longo sono patriarcal [parece, quem sabe? O suficiente para me acordar.].
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