O incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro já seria suficientemente triste. Quando penso que recentemente cogitei fazer concurso e tentar voltar para o Brasil, me arrepio. No momento atual me sentiria como um judeu voltando à Alemanha antes da Noite dos Cristais. As perspectivas por aqui estão muito longe de excelentes, mas é inegável que no Brasil entramos num novo ciclo de auto-destruição, ainda mais intenso que os anteriores. Sua intensidade, com direito à expulsão de refugiados venezuelanos em Roraima, não parece ter criado qualquer senso de urgência em ninguém.
Este ciclo, como aquele longo inverno que começou num 1o de abril de 1964, está sendo calmamente recebido por imprensa e judiciário, e visto por alguns como chance de "redenção" de um país perdido. A mesma dupla que apoiou 1964 e depois lavou as mãos como se não tivesse nada a ver com aquilo, hoje nos assegura que as nossas prezadas instituições republicanas continuam funcionando em perfeito estado. O incêndio do museu apenas indica para a necessidade de acelerar as "reformas" que prometem transformar o Brasil num país ainda mais selvagem em seu capitalismo neo-escravista. O que estamos cozinhando agora no Brasil é um imenso massacre concertado como o que varreu a Argentina nos anos 70, culminando com copa do mundo e tudo.
Mas também reconheço que não foram os que ficaram se comiserando - como faço aqui agora - que nos ajudaram a sair daquele inferno de 25 anos. Aquela estúpida ditadura que acabou justamente com o derretimento de um país que se afogava entre estagnação econômica, dívida externa e hiperinflação também acabou por causa de muita luta de muita gente vigorosa e determinada. Mas fico me perguntando hoje qual o sentido daquela luta toda daquelas pessoas em vista desse novo ciclo infernal que nos assola. O incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro já seria suficientemente triste. E ainda tanta estupidez exibida tão despudoradamente por todos os lados. Tantas frases de efeito, tanta barbaridade. Tanta mentira.
Traduzi não faz muito tempo um poema de Juan Rulfo usado no filme A fórmula secreta de Rubén Gámez. Volta ao poema com pesar, pensando em como ele se aplica, infelizmente, ao Brasil de 2018:
Este ciclo, como aquele longo inverno que começou num 1o de abril de 1964, está sendo calmamente recebido por imprensa e judiciário, e visto por alguns como chance de "redenção" de um país perdido. A mesma dupla que apoiou 1964 e depois lavou as mãos como se não tivesse nada a ver com aquilo, hoje nos assegura que as nossas prezadas instituições republicanas continuam funcionando em perfeito estado. O incêndio do museu apenas indica para a necessidade de acelerar as "reformas" que prometem transformar o Brasil num país ainda mais selvagem em seu capitalismo neo-escravista. O que estamos cozinhando agora no Brasil é um imenso massacre concertado como o que varreu a Argentina nos anos 70, culminando com copa do mundo e tudo.
Mas também reconheço que não foram os que ficaram se comiserando - como faço aqui agora - que nos ajudaram a sair daquele inferno de 25 anos. Aquela estúpida ditadura que acabou justamente com o derretimento de um país que se afogava entre estagnação econômica, dívida externa e hiperinflação também acabou por causa de muita luta de muita gente vigorosa e determinada. Mas fico me perguntando hoje qual o sentido daquela luta toda daquelas pessoas em vista desse novo ciclo infernal que nos assola. O incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro já seria suficientemente triste. E ainda tanta estupidez exibida tão despudoradamente por todos os lados. Tantas frases de efeito, tanta barbaridade. Tanta mentira.
Traduzi não faz muito tempo um poema de Juan Rulfo usado no filme A fórmula secreta de Rubén Gámez. Volta ao poema com pesar, pensando em como ele se aplica, infelizmente, ao Brasil de 2018:
A Fórmula Secreta
I
Dirão vocês
que é pura tolice a minha,
que é um
desatino lamentar-se da sorte
e ainda
mais dessa terra pasma
onde nos esqueceu
o destino.
A verdade é
que custa trabalho
aclimatar-se
à fome.
E ainda que
digam que a fome
repartida
entre muitos
afeta
menos,
o único que
é certo é que aqui
todos
estamos à
beira da morte
e não temos
nem sequer
onde cair
mortos.
Pelo que
parece
vem aí desgraça
da brava.
Nada que dê
um nó cego
a esse
assunto.
Nada disso.
Desde que o
mundo é mundo
andamos com
o umbigo colado à espinha,
agarrando-se
contra o vento à unha.
Eles nos
regulam até a sombra,
e apesar de
tudo
assim
seguimos:
meio
aturdidos pelo sol maldito
que no
diário nos distribui despedaços
sempre com
o mesmo ferro,
como se ele
quisesse reviver mais o rescaldo.
Ainda que saibamos
bem
que nem
ardendo em brasas
dará luz a
nossa sorte.
Mas somos
obstinados.
Talvez isso
tenha conserto.
O mundo
está inundado de gente como a gente,
de muita
gente como a gente.
E alguém
tem de nos escutar,
alguém e
alguns mais
ainda que
rebatam ou se arrebentem
com os
nossos gritos.
Não é que
sejamos metidos
Nem que
estejamos pedindo esmolas à lua.
Nem é do
nosso proceder meter-se depressa num buraco
ou cascar
fora pras montanhas
toda vez
que alguém vem nos atiçar os cachorros.
Alguém terá
que ouvir-nos.
Quando
deixarmos de grunhir como vespas em
enxame,
ou virarmos
rabo de redemoinho,
ou quando
terminarmos escorrendo sobre
a terra
com um
relâmpago de mortos,
então
talvez
tenhamos
todos
remédio.
II
Rabo de
relâmpago,
redemoinho de mortos.
Com o vôo
que levam,
pouco durará seu esforço.
Talvez
acabem desfeitos em espuma
ou os trague esse ar cheio de cinzas.
E até podem
perder-se
indo às cegas
entre a escuridão revolvida.
No fim das
contas já são puro escombro.
A alma haverá
de se ter partido
de tanto dar encontrões com a vida.
Vai que se
embaracem entre as fibras
geladas da
noite,
ou o medo
os liquide
apagando-lhes até o hálito.
São Mateus
amanheceu desde ontem
com a cara
ensombrecida.
Rogai por nós.
Almas
benditas do purgatório.
Rogai por nós.
Tão alta
está a noite e nem há com o que velá-los.
Rogai por nós.
Santo Deus,
Santo Imortal.
Rogai por nós.
Já estão
todos meio passados de tanto sol
chupando-lhes o sumo.
Rogai por nós.
Santo são
Antoninho.
Rogai por nós.
Rebanho de
gente ruim, bando de folgados,
Rogai por
nós.
Cambada de
velhacos, fileira de vadios
Rogai por nós.
Trança de
bandidos.
Rogai por nós.
Ao menos
estes já não viverão encharcados pela fome.
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