A importância da crônica na literatura brasileira não é fruto do acaso, muito menos de alguma afinidade natural entre a nossa cultura e o gênero. A crônica é tão presente entre nós porque os escritores brasileiros precisam complementar seus ganhos escrevendo para jornais e revistas. O gênero e a imprensa estão intimamente ligados desde quando o formato clássico da crônica consolidou-se nas páginas dos jornais no século XIX.
As “Familiar Essays” Vitorianas, por exemplo, eram mais longas, mas já entremeavam reflexões e narrativas despretensiosas buscando a cumplicidade dos leitores com um tom informal e ameno de conversa entre amigos. Desse formato clássico vem uma impressão de facilidade que é enganosa. Pode não ser muito difícil produzir crônicas feitas na medida para sobreviver um dia ou semana até virarem forro de gaiola de passarinho, mas são poucos os cronistas que se alçam acima da média e realmente merecem uma edição posterior em livro.
Esse é o caso de Miguel Sanches Neto: seu Herdando uma biblioteca é todo composto de crônicas que giram em torno do hábito da leitura e de colecionar livros. Um dos temas centrais do livro já aparecia num clássico inglês do gênero: “Old China” de Charles Lamb. Sanches Neto e Lamb refletem sobre a paixão de colecionador e sua relação com o objeto amado, comparando os tempos de vacas magras - quando cada peça nova era uma grande conquista a ser celebrada intensamente - com a relativa fartura e facilidade atuais.
As crônicas de Herdando uma biblioteca se elevam acima da média ao deixar de lado o abuso do lugar comum e a condescendência do autor para consigo mesmo e para com o leitor, evitando assim desembocar no sentimentalismo pequeno-burguês ou no saudosismo piegas que estragam grande parte das crônicas de jornal. Além disso, Sanches Neto evita o autocentramento excessivo que uma coleção de crônicas autobiográficas sugeriria e escapa, por exemplo, à tentação de pintar com cores excessivamente dramáticas as dificuldades da sua infância pobre no interior do Paraná.
Mas há quem fuja dessas armadilhas para cair em outras piores. Em tempos de muita estridência e pouca consistência, cronistas com espaço privilegiado na imprensa hoje em dia martelam os leitores com um polemicismo apelativo, fazendo espalhafato por nada de verdadeiramente interessante. É uma agressividade que nada tem de novo: poderíamos chamá-la de complexo de mazombo, algo que aflige nossa classe pensante desde os tempos de Gregório de Mattos na Bahia colonial. Seu empenho é dado pelo ressentimento de quem se acha melhor que o lugar onde vive e se sente vítima de um ambiente que não lhe permite desenvolver as suas potencialidades e o tom é sempre de pessimismo e desencanto, oscilando entre o sentimento de superioridade em relação ao país e ao povo e o complexo de inferioridade em relação ao primeiro mundo.
Sanches Neto navega esse campo minado entre bonachões e histéricos sem apelações nem concessões, fazendo com que a despretensão da crônica trabalhe a seu favor. Quando defende o roubo ocasional de um livro de biblioteca (“Herdando uma Biblioteca II”) ou sugere como contornar o maremoto de informações inúteis que ameaça nos sufocar (“Da arte de ler jornais”), ele o faz sem agressividade gratuita nem moralismo raivoso. Trata de livros e leitura sem esconder o seu amor incondicional pelos dois, mas também sem apelar para as estridências de praxe contra nosso analfabetismo crônico ou nossa falta de amor pelos livros e pela leitura em geral. De quebra, Herdando uma biblioteca consegue um feito admirável: ser um livro de crônicas que tem unidade temática sem se tornar repetitivo – fruto de uma revisão cuidadosa, incomum em coleções de textos esparsos, que evita repetições desnecessárias.
As “Familiar Essays” Vitorianas, por exemplo, eram mais longas, mas já entremeavam reflexões e narrativas despretensiosas buscando a cumplicidade dos leitores com um tom informal e ameno de conversa entre amigos. Desse formato clássico vem uma impressão de facilidade que é enganosa. Pode não ser muito difícil produzir crônicas feitas na medida para sobreviver um dia ou semana até virarem forro de gaiola de passarinho, mas são poucos os cronistas que se alçam acima da média e realmente merecem uma edição posterior em livro.
Esse é o caso de Miguel Sanches Neto: seu Herdando uma biblioteca é todo composto de crônicas que giram em torno do hábito da leitura e de colecionar livros. Um dos temas centrais do livro já aparecia num clássico inglês do gênero: “Old China” de Charles Lamb. Sanches Neto e Lamb refletem sobre a paixão de colecionador e sua relação com o objeto amado, comparando os tempos de vacas magras - quando cada peça nova era uma grande conquista a ser celebrada intensamente - com a relativa fartura e facilidade atuais.
As crônicas de Herdando uma biblioteca se elevam acima da média ao deixar de lado o abuso do lugar comum e a condescendência do autor para consigo mesmo e para com o leitor, evitando assim desembocar no sentimentalismo pequeno-burguês ou no saudosismo piegas que estragam grande parte das crônicas de jornal. Além disso, Sanches Neto evita o autocentramento excessivo que uma coleção de crônicas autobiográficas sugeriria e escapa, por exemplo, à tentação de pintar com cores excessivamente dramáticas as dificuldades da sua infância pobre no interior do Paraná.
Mas há quem fuja dessas armadilhas para cair em outras piores. Em tempos de muita estridência e pouca consistência, cronistas com espaço privilegiado na imprensa hoje em dia martelam os leitores com um polemicismo apelativo, fazendo espalhafato por nada de verdadeiramente interessante. É uma agressividade que nada tem de novo: poderíamos chamá-la de complexo de mazombo, algo que aflige nossa classe pensante desde os tempos de Gregório de Mattos na Bahia colonial. Seu empenho é dado pelo ressentimento de quem se acha melhor que o lugar onde vive e se sente vítima de um ambiente que não lhe permite desenvolver as suas potencialidades e o tom é sempre de pessimismo e desencanto, oscilando entre o sentimento de superioridade em relação ao país e ao povo e o complexo de inferioridade em relação ao primeiro mundo.
Sanches Neto navega esse campo minado entre bonachões e histéricos sem apelações nem concessões, fazendo com que a despretensão da crônica trabalhe a seu favor. Quando defende o roubo ocasional de um livro de biblioteca (“Herdando uma Biblioteca II”) ou sugere como contornar o maremoto de informações inúteis que ameaça nos sufocar (“Da arte de ler jornais”), ele o faz sem agressividade gratuita nem moralismo raivoso. Trata de livros e leitura sem esconder o seu amor incondicional pelos dois, mas também sem apelar para as estridências de praxe contra nosso analfabetismo crônico ou nossa falta de amor pelos livros e pela leitura em geral. De quebra, Herdando uma biblioteca consegue um feito admirável: ser um livro de crônicas que tem unidade temática sem se tornar repetitivo – fruto de uma revisão cuidadosa, incomum em coleções de textos esparsos, que evita repetições desnecessárias.
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