Skip to main content

Aparências



Curioso como a gente pode fazer um paralelo com o blues e o jazz nos Estados Unidos e o Samba no Brasil. Inicialmente consideradas música “selvagem” ou “primitiva” e relegadas a espaços marginalizados, essas expressões musicais “renascem” [aspas porque nunca morreram, só foram varridas para baixo do tapete] com músicos e cantores brancos, gerando lucros fantásticos para uma nascente indústria da música e do entretenimento. E o que era “aviltante” e “tosco” de repente vira “charmoso”, “chique” e até reconhecidamente sofisticado. Músicos e cantores, brancos, ingleses e norte-americanos de classe média, que se apaixonaram pela música negra americana não são culpados; e foram eles foram até responsáveis por ajudar a resgatar da miséria os mestres do blues americano e levá-los, às vezes pela primeira vez, a um registro em estúdio com condições minimamente decentes. No Brasil devemos a essa redescoberta os sensacionais discos do Cartola. O problema é um processo que se repete no Brasil: quando o partido chamado de pagode explodiu no Brasil, muita gente da elite branca torcia o nariz e dizia que aquilo era, ironicamente, um samba degenerado. Vinte anos depois Zeca Pagodinho virou “chique”? A verdade é que as pessoas ainda hoje mascaram como julgamentos estéticos os seus preconceitos de classe e raça. Julgam a qualidade da música como um produto que se julga pela embalagem ou pelo rótulo: principalmente pelo lugar de onde ela aparenta vir e pela aparência de quem a produz. Não é por nada que os cantores sertanejos vivem produzidos, disfarçados na medida do possível de uma classe social e de um grupo étnico que não é o deles – disfarçados de elite branca eles passaram a ganhar muito mais dinheiro, com a mesma música que faziam antes [para mim uma bela porcaria na maioria das vezes], só que agora com o “valor agregado” da “boa aparência”.

Comments

Anonymous said…
Cartola saiu do ostracismo com quase 50 anos e mesmo sendo negro e pobre foi aclamado como um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos, isso na opinião não só do público, mas de músicos (dos clássicos aos populares), pois boa música se reconhece ao longe. E me desculpe, mas Zeca Pagodinho nunca será chique, nem tampouco os chiados estridentes desses pseudo-sertanejos pasteurizados. Quem entende de BOA música, nunca perderia o seu precioso tempo discutindo o rótulo da lata de lixo!

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema