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O poema desliza em si mesmo como um cubo de gelo numa chapa quente

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

O medo amargava o cabo da língua
em Barbacena os loucos desencarnavam
dentro de barris cheios de ácido
detalhando o podre do são
e os ossos abasteciam os mostruários
das escolas de medicina onde se aprendia
a autopsiar fugas e atropelamentos impossíveis.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Gostava dele quando eu fechava os olhos,
na língua sem palavras que trago comigo,
e era tudo um imenso domingo universal.
O calor em que o cão pendura a língua
segurava meu coração pelo rabo
na linha de resguardo,
mas não parava o tempo.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Atrás de sorte e morte
as ruas fermentavam restos de urina e cerveja quente
mas o patrimônio específico dos corações inferiores
como o meu é o ressentimento,
canoão no seco, trem de doido,
pronto para me levar para Barbacena,
oco sem beiras,
parar de ser.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Quando a gente se acostuma com esse vendaval
só se ouve o silêncio que existe em toda a solidão.
Cai o parasita, fica o tronco morto,
imagem do desconsolo.
A seleção natural, o equilíbrio das espécies
para mim é o horror do mundo.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Em nome de nada, em nome de ninguém, sem nenhum sonho,
eu como o poema e não o seu nome;
sem ternura, sem a paixão da piedade, sem saudade,
fome que nasce quando a boca está perto da comida,
o poema limpo do retorcido desejo humano,
existindo como é.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.


[Esse poema ainda não está acabado, mas solto ele assim mesmo. A internet é uma maravilha, uma dura lição, para nos dar a exata noção da solidão de escrever para ninguém, mas eu me recuso a desistir]

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