Acho que muito frequentemente quem diz “rigor” está dando um outro nome para “austero” e é uma escolha infeliz [e nada rigorosa]. As 600 páginas de Grande Sertão: Veredas são produto de um processo criativo rigoroso, mas nada austero. A poesia pode ser [para usar rótulos cansados mas ainda muito em voga] "rigorosa" ou "caudalosa", “sucinta” ou “exuberante” – isso não implica de forma alguma em boa ou má poesia. As pessoas têm mania de substituir as sutilezas de um julgamento estético por uma saída mais fácil, que possibilita aparentar uma opinião própria com o menor esforço possível e passar uma sentença sumária com relação às caracteristicas mais aparentes do estilo de alguém, sem perceber que não é tanto nas escolhas, mas no que fazem com essas escolhas, que os poetas [ou prosadores] são melhores ou piores. Não dá para ficar, em pleno século XXI, discutindo estética à moda dos manifestos vanguardistas que, por exemplo, condenavam à morte do limbo da história das formas o verso. Adélia Prado e João Cabral são bons poetas; qual é o melhor dos dois não se define pela “austeridade” mas pela maneira como eles exploram as possibilidades e os limites dentro das escolhas que talvez sejam expressão de um temperamento mais que tudo.
Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia,
que pertence a menos gente
mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia
foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.
Comments