Acho um absurdo esse monopólio absoluto da literatura brasileira nas escolas e no vestibular. Parece coisa de um tempo em que nosso complexo de inferioridade queria evitar de qualquer forma a comparação com os grandes mestres da Europa para que as nossas supostas "fragilidades" não ficassem mais claras. A literatura brasileira não precisa e não deve temer a comparação com nenhuma outra. Não seria maravilhoso ler juntos Eça e Machado, Cruz e Souza e Camilo Pessanha, Drummond e Fernando Pessoa? Ler juntos Borges e Guimarães Rosa, Rulfo e Graciliano Ramos, Clarice e Cortázar, que tal? Uma das coisas mais difíceis para mim é explicar a um falante de língua inglesa que na nossa universidade nós segregamos a literatura em português em dois departamentos completamente diferentes. Para eles dividir Dickens e Edgar Allan Poe em dois departamentos seria algo incompreensível. E nós ainda acusamos [com uma certa razão] os anglo-saxões de tentar compartimentar tudo em guetos. Reservas de Mercado desse tipo podem ser políticas utéis em vários campos da economia, mas no ramo literário… acabamos promovendo uma formação nacionalista no pior sentido dessa palavra: profundamente provinciana, avessa ao novo e ao diferente vistos como estrangeiros. Não somos assim – pecamos hoje em dia muitas vezes pela apreciação deslumbrada de certos autores anglo-saxões que nem estão com essa bola toda - porque nossa formação escolar é quase que completamente inepta. Ou talvez porque o nacionalismo xenófobo e o deslumbramento com o estrangeiro sejam duas faces da mesma moeda: o complexo de inferioridade.
Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...
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