Enquanto as pessoas no Brasil vão à praia e tiram férias, eu estou trabalhando a pleno vapor com um semestre novo e -18ºC lá fora...
Como estou dando um curso sobre o conto latino-americano, aproveito para fazer uma série nova.
Esqueçam a tietagem absurda e leiam qualquer coisa de Clarice Lispector como se ela fosse um escritor qualquer. Nada de divina bruxa, de maga maravilhosa, de deusa do mistério; só uma escritora de carne e osso e sua obra. Acredite, esse é um favor que você presta à obra dela e a você mesmo. Clarice é uma escritora muito corajosa no sentido do que disse o Bolaño no meu post passado, mas coragem só não basta. Clarice Lispector escreve com uma precisão impressionante. O conto "A quinta história" e bem curto; mal completa um par de páginas. O mesmo enredo trivial das baratas no apartamento é contado cinco vezes - a primeira em sumárias duas linhas que se atém aos fatos e acentua a aparente banalidade do evento e depois três versões cada vez mais intensas. Cá estamos chegando ao final do conto, no final da quarta versão - e a quinta é só um título quase que non-sense - e lemos isso aqui:
"Áspero instante de escolha entre dois caminhos que, pensava eu, se dizem 'adeus', e certa de que qualquer escolha seria a do sacrifício: eu ou minha alma. Escolhi. E hoje ostento secretamente no coração uma placa de virtude: 'Esta casa foi dedetizada'."
Nada da vida pessoal da narradora em primeira pessoa além do episódio específico tinha aparecido, nem sequer a mais oblíqua menção. Não sabemos quantos anos a narradora/personagem tem, se mora sozinha, se é solteira ou casada, se trabalha, se tem filhos [a versão em inglês, com os adjetivos sem marca de gênero, não dão nem sequer um indício concreto de que ela seja mulher]. E de repente essa bomba de três linhas, tão enigmática e ao mesmo tempo tão incisiva. Alguém aí já se encontrou nessa situação terrível de ter que escolher entre "eu ou a minha alma"? Como diz um personagem de outro livro de outro escritor que também tem lugar cativo no meu coração: "más te vale" [em espanhol].
Como estou dando um curso sobre o conto latino-americano, aproveito para fazer uma série nova.
Esqueçam a tietagem absurda e leiam qualquer coisa de Clarice Lispector como se ela fosse um escritor qualquer. Nada de divina bruxa, de maga maravilhosa, de deusa do mistério; só uma escritora de carne e osso e sua obra. Acredite, esse é um favor que você presta à obra dela e a você mesmo. Clarice é uma escritora muito corajosa no sentido do que disse o Bolaño no meu post passado, mas coragem só não basta. Clarice Lispector escreve com uma precisão impressionante. O conto "A quinta história" e bem curto; mal completa um par de páginas. O mesmo enredo trivial das baratas no apartamento é contado cinco vezes - a primeira em sumárias duas linhas que se atém aos fatos e acentua a aparente banalidade do evento e depois três versões cada vez mais intensas. Cá estamos chegando ao final do conto, no final da quarta versão - e a quinta é só um título quase que non-sense - e lemos isso aqui:
"Áspero instante de escolha entre dois caminhos que, pensava eu, se dizem 'adeus', e certa de que qualquer escolha seria a do sacrifício: eu ou minha alma. Escolhi. E hoje ostento secretamente no coração uma placa de virtude: 'Esta casa foi dedetizada'."
Nada da vida pessoal da narradora em primeira pessoa além do episódio específico tinha aparecido, nem sequer a mais oblíqua menção. Não sabemos quantos anos a narradora/personagem tem, se mora sozinha, se é solteira ou casada, se trabalha, se tem filhos [a versão em inglês, com os adjetivos sem marca de gênero, não dão nem sequer um indício concreto de que ela seja mulher]. E de repente essa bomba de três linhas, tão enigmática e ao mesmo tempo tão incisiva. Alguém aí já se encontrou nessa situação terrível de ter que escolher entre "eu ou a minha alma"? Como diz um personagem de outro livro de outro escritor que também tem lugar cativo no meu coração: "más te vale" [em espanhol].
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- Daniel