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A voz do dinossauro




Sexta-feria passada o rádio do helicóptero que levava o casal Kirchner da sua residência à Casa Rosada sofreu interferência durante o todo o trajeto. Em cinco momentos ouviram-se vozes. No primero, uma voz diz “Maten a la yegua”; no segundo ouve-se um fragmento de ‘Avenida de las Camelias’ [marcha militar que acompanhava os anúncios oficiais da ditadura militar argentina]; no terceiro outra voz diz “Boludos, maten al pescado” [apelido de Nestor Kirchner]; e no quarto e quinto uma voz diz simplesmente, “Mátenla”.
A interferência no radio do helicóptero foi sincronizada com o início do julgamento de pessoas que trabalhavam na ESMA [Escuela de Mecánica de la Mariña], um dos principais centros de detenção clandestinos da ditadura argentina, onde estima-se que 5.000 pessoas foram “interrogadas” e de onde só sobreviveram 150. O prédio da ESMA foi aberto ao público e será transformado em um museu dos direitos humanos.
Héctor Febres, o “administrador” da “maternidade” onde centenas de bebês nasceram e foram muitas vezes adotados por famílias de gente ligada à repressão, foi o primeiro denunciado pelos crimes cometidos na ESMA, no ano passado. Mas Febres foi envenenado em sua cela depois de prometer denunciar seus companheiros.
Uma fala do governo sobre o incindente do helicóptero me chamou atenção. Chamaram os responsáveis pelas ameaças de “dinossauros”. Termino então com um micro-conto famoso de Augusto Monterroso:

El dinosaurio
Augusto Monterroso
Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí.

Comments

Esse caso é impressionante. Nem simpatizo muito com a presidente... mas quanto ao julgamento dos crimes politicos, a Argentina está decadas à nossa frente.

Ah: linda a imagem abaixo, com o barro.
Anonymous said…
Não sei se entendi o miniconto.
O conto é tão conciso que fica super aberto, Tata. Sugere um mundo de possibilidades diferentes, dependendo de como vc completa as lacunas que ele deixa. Pode ser praticamente sobre qualquer coisa. Depende do contexto em que vc está quando o lê. Nesse caso eu penso que a questão é que alguém [a gente? os sonhadores?] dorme, talvez sonhe, e aí de repente descobre que aquilo que parecia que estava morto, que parecia extinto, e/ou que o ameaça continua ali, vivo, ao seu lado.
Eu tbm não simpatizo muito com os Kirchner, Sabina. O negócio na Argentina anda bravo. Estive com a viúva de Raymundo Gleyser, um documentarista desaparecido, e ela me disse, "democracia? Com gente ainda sendo sequestrada, ainda desaparecendo, sendo assassinadas?" A repressão lá virou uma imensa máquina, muito maior que a brasileira. Mas eu tenho medo dos dinossauros que a gente acha que estão extintos e continuam vivos aqui no Brasil também...

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