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Entendendo Bob Dylan



Muitas canções de Bob Dylan, como muitas de Chico Buarque, usam com destreza e fidelidade uma forma de canção popular bem fixada e tradicional [neste caso, o blues] e integra nessa canção uma letra circular, que roda e roda batendo basicamente na mesma tecla, mas cada vez de um jeito diferente. Acho que é por isso que, para quem não entende ou não presta atenção à letra, os dois parecem meio anacrônicos.

Everything Is Broken
Bob Dylan
Broken lines, broken strings
Broken threads, broken springs
Broken idols, broken heads
People sleeping in broken beds
Ain’t no use jiving
Ain’t no use joking
Everything is broken
Broken bottles, broken plates
Broken switches, broken gates
Broken dishes, broken parts
Streets are filled with broken hearts
Broken words never meant to be spoken
Everything is broken
Seem like every time you stop and turn around
Something else just hit the ground
Broken cutters, broken saws
Broken buckles, broken laws
Broken bodies, broken bones
Broken voices on broken phones
Take a deep breath, feel like you’re chokin'
Everything is broken
Every time you leave and go off someplace
Things fall to pieces in my face
Broken hands on broken ploughs
Broken treaties, broken vows
Broken pipes, broken tools
People bending broken rules
Hound dog howling, bullfrog croaking
Everything is broken

Comments

Mas não tem algo repetitivo no ritmo, na melodia (não conheço os termos musicais corretos)...?

Isso me incomoda mais que a repetição no texto.
Tem, sim, Sabina. Uma estrutura de blues clássico tem essa repetição, voltado sempre a um verso repetido duas vezes e ao mesmo conjunto de 12 compassos, assim como um samba de roda volta ao refrão depois de cada estrofe de glosa desse refrão. A semelhança com algumas canções do Chico [tipo "Vai trabalhar, Vagabundo"] vai por esse lado também. Só que eu acho que um estrangeiro percebe esse caráter repetitivo da música do Chico melhor que a gente porque ele tende a parar de seguir a letra, como a gente tende a fazer com o Bob Dylan.
Anonymous said…
Mas o Chico tem, noutras músicas, uma característica que eu acho fascinante e quando imagino em imagem é essa repetição cíclica, só que levemente desviada, de forma a fazer com que as pontas nunca se encontrem, um espiral. Como acontece com “O Que Será” (qualquer delas), por exemplo. A melodia segue uma mesma lógica, só que em progressão aritimética, em todas as estrofes, vai subindo em semitons. A letra também caminha, para dentro ou para fora, numa escala bem definida, nunca volta, vão se somando detalhes que ampliam o sentido como semitons: "O que será que me dá/ Que dá dentro da gente e que não devia/Que desacata a gente, que é revelia/Que é feito uma aguardente que não sacia/Que é feito estar doente de uma folia (...)”. E acontece que a conclusão não será um retorno ao início, não é um texto comum de música popular. A conclusão vai ampliar ainda mais a idéia. É o que acontece também com a “Rosa dos Ventos” e com “Maninha”, apesar dessa última ter a melodia bem menos apoteótica do Tom Jobim. Uma vez eu li uma descrição do discurso dos loucos, nuns livros de psicologia. Já vi falar disso em algum blog dos que estão na minha lista também, não me lembro qual. Existe um termo pra isto, uma palavra que nomeia a lógica dos esquizofrênicos, mas eu não lembro qual é.
A primeira vez que toquei “O que será” em público, voz e violão, praticamente tive que inventar outra letra e outra harmonia, porque no fim da primeira estrofe coloquei depois de “E que me sobe às faces e me faz corar” o verso “Que é feito uma aguardente que não sacia”. O verso que eu antecipei seria o equivalente ao que eu esqueci, na segunda estrofe. Mas, de repente, a harmonia não se encaixava mais na melodia e as palavras não cabiam. Foi pavoroso. É muito difícil decorar as letras dessas músicas, e é impossível não se perder nas harmonias se a letra não estiver bem interiorizada. Nunca vi isso em compositores estrangeiros, nem no Bob Dylan. Essa escala que não fecha é característica de alguma música regional? A toada, por exemplo? Não consigo ver semelhança. Só consigo pensar que seja característica dele mesmo, ou viagem minha.
Vou tentar encontrar um exemplo do Bob Dylan que segue o esquema do Chico. Acho que "Simple Twist of Fate" pode ser um bom exemplo. Mesmo porque "O que será" é o Chico num dos seus melhores momentos e então tem que encontrar um Dylan de primeira para servir de comparação.

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