Skip to main content

Diário da Babilônia – Sobre Gabrielle Giffords


Acho que para entender o que está acontecendo nos Estados Unidos é importante em primeiro lugar fazer uma distinção fundamental entre opiniões de direita e opiniões de extrema direita. Ser a favor, por exemplo, de privatizações de tudo o que puder ser privatizado ou mesmo contra o casamento dos homossexuais são formas de ser de direita; achar que seu país está sendo tomado por comunistas muçulmanos que querem transformá-lo numa mistura de União Soviética e Alemanha Nazista e que os homossexuais tem sociedades secretas para seduzir crianças e expandir seu suposto poder e devem ser apedrejados por em praça pública é ser de extrema direita.

Em segundo lugar é importante distinguir entre opiniões individuais [como essas minhas] num blogue ou numa página de Facebook e opiniões que aparecem com a sanção de um canal de notícias da grande mídia ou de uma figura importante de um partido político nacional poderoso. Não é por coincidência, por exemplo, que eu nunca uso o nome da instituição a qual pertenço nem meu título dentro dela quando escrevo aqui.

Não é uma questão de responsabilidade pessoal, mas de responsabilidade institucional. Eu continuo sendo responsável por essas minhas opiniões pessoais, e seria assim mesmo que eu usasse um pseudônimo. As pessoas têm o direito de expressar suas idéias – desde que estejam dispostos a responderem por elas. O problema entretanto se complica quando se fala a partir de uma instituição.

Nos EUA até bem pouco tempo atrás certas teorias conspiratórias de extrema direita como as da John Birch Society circulavam apenas em lugares marcados com o estigma de "fringe" [à margem do mainstream cultural]. Isso principalmente porque elas se apóiam em fantasias perversas ao invés de fatos e incitam a soluções violentas e anti-democráticas. Lembremos que nos anos 60 um mínimo aceno feito na direção dessa gente rendeu um trocadilho eleitoral de sucesso contra Barry Goldwater. Quando Goldwater dizia "in your heart you know he's right"; os democratas devolviam dizendo "in your guts you know he's nuts".

A partir da vitória de Obama essas mesmíssimas idéias ganharam canais de divulgação e legitimidade na mídia e no sistema político americano, e isso é responsabilidade do establishment americano. Esse flerte com a extrema direita vem de longe – Goldwater era o mentor de Ronald Reagan – e a direita americana tradicional, cujos últimos nomes foram Bob Dole e Gerge Bush Pai, agora estão pagando um preço caro: ou se renderam ou viraram “moderados de direita” e de “moderados de direita” viraram “fake republicans”. Sobrevivem os que aceitam compactuar com os extremistas – como McCain – e o partido como um todo vai virando outra coisa – não custa lembrar que Abraham Lincoln era republicano. Montados em dinheiro sujo o Tea Party pode afundar o Partido Republicano ou afundar os Estados Unidos como um todo. Ou será viável a sobrevivência a longo prazo num sistema democrático de um partido de gente que acha que o Banco Central Americano é parte de uma conspiração totalitária?

Finalmente é preciso distinguir entre o direito que as pessoas possam ter de comprar, guardar ou portar armas e a permissibilidade de um sistema que deixa um sujeito que foi barrado do serviço militar por problemas com drogas e expulso da sua faculdade por demonstrar agressividade e instabilidade psicológica comprar uma Glock, arma altamente “eficiente”, conhecida por ser particularmente letal e ainda equipá-la com um pente extra com mais balas do que o normal. Com uma faca de cozinha ele teria matado um, com um .38 comum uma ou duas pessoas, com uma Glock… deu no que deu.

Comments

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...