Já li um crítico que dizia que com 8 e ½ o modernismo finalmente chegava ao cinema em 1963 – e eu fiquei me perguntando, “será que esse cara nunca viu 'Cão Andaluz' do Buñuel?” Bom, modernismos e pós-modernismos a parte, esse filme sobre um filme sobre um filme é uma jogada de mestre de um diretor consagrado em plena crise dos 40, sem saber que caminho seguir. Mas nesses nossos tempos de moralismo puritano, o que mais me chama em Fellini é a capacidade de ser profundamente crítico [inclusive consigo mesmo] sem perder absolutamente o afeto pelas coisas. Nem o senso crítico é raivoso e amargo, nem a memória nostálgica é simplesmente apaziguadora. Um exemplo dessa proeza que Fellini repete tantas vezes em seus filmes, no caso de 8 e ½, é a paródia impiedosa que ele faz das fantasias masculinas, revelando sem o menor pudor, com a maior cara de pau possível, o desejo do protagonista de ver, não apenas a amante perua e a esposa intelectual, mas todas as mulheres que amou ou desejou – inclusive mãe, avó e babás – num harém absurdo, completo com um andar de cima para aquelas condenadas ao esquecimento.
Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...
Comments
É o primeiro filme Fellini do Fellini, porque até 1962, ele flertou com o neorealismo (I Viteloni e La Strada, para ficar nos melhores) e com o cinema italiano dos anos 60 e 70 (com La Dolce Vita).
A partir do 8 e 1/2, Fellini passa a ter uma cara toda própria.
Um filmaço, e sua análise ficou muito boa.
Abração