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Cinema e Dinheiro

Imaginem a seguinte situação: você e um amigo não têm um tostão furado mas querem fazer um filme. Então vocês resolvem fazer um filme sobre o restaurantezinho chinês do outro lado da rua. Conversam com o dono, com o gerente, com os funcionários e começam a pesquisar sobre o funcionamento daquele tipo de restaurante e sobre as pessoas que tipicamente trabalham lá. Afinal definem um script que é basicamente um plano para uma sequência de cenas improvisadas no próprio local e em ruas da cidade. Depois arrumam uma camera digital, contratam quatro atores profissionais completamente desconhecidos (a 5 dólares por dia cada) através de um anúncio online. Os testes com os candidatos que aparecem vocês dois fazem no meio da rua. Completando o elenco, a gerente do restaurante, uma chinesa simpática que atende o telefone e administra aquele caos todo há anos, faz o papel dela mesma no filme. A filmagem é cuidadosamente planejada para ser feita toda em um só dia de funcionamento real do restaurante – os atores vestem exatamente as mesmas roupas que os empregados do restaurante usam e algumas tomadas feitas do pescoço para baixo no espaço minúsculo da cozinha apresentam os empregados de fato trabalhando. Ah, para completar aquele dia fatídico de filmagem acaba sendo o mais chuvoso da história da sua cidade – chuva torrencial que vocês aliás incorporam ao script.

Aí está um resumo de Take-Out, excelente filme de Sean Barker e Shih-Ching Tsou, uma lição para quem quer fazer cinema e não tem dinheiro, ou seja, para 95% dos aspirantes a cineasta na América Latina. O filme – todo falado em mandarim – faria um par interessante com Os 12 Trabalhos de Hércules de Ricardo Elias, sobre a rotina dos motoboys (surpreendentemente o primo pobre nesse caso é o filme dos Estados Unidos). Outro filme que faria excelente par com Take-Out é Bolivia do argentino Adrián Caetano, um filme também maravilhoso, feito também com um orçamento reduzidíssimo [com sobras de negativo doadas por Lita Stantic] e também quase todo filmado em uma só locação, uma parilla de Buenos Aires.










Comments

sabina said…
Você gosta de "Os 12 trabalhos"? Foi um amigo meu que escreveu... tenho dificuldade para avaliar, às vezes acho o contorno muito artificial.

O diretor é o Ricardo Elias... será que existem dois filmes com o mesmo nome?
Não é o filme sobre o motoboy, Sabine? É desse que eu estou falando - vou conferir se eu errei o nome do diretor. Concordo contigo: acho o filme legal, mas muito certinho. Os outros dois filmes - que são diferentes porque afinal de contas não têm pretensões de fazer sucesso - eu acho bem melhores porque ficam só na biografia básica dos personagens sem querer dar a eles uma longa história.
Já corrigi o nome do diretor!

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