Anatomia da leitura como cacofonia
Deitado na rede
respirando o ar límpido,
fase tropical
do meu inverno constante,
do futuro leio cartas
de cinquenta anos:
uma tradução solar
duma estação no inferno.
Nela ao mesmo tempo
falam eu, o poeta e o tradutor;
falam duas línguas tronchas
e também uma terceira,
zumbi monstro da lagoa,
meta-matéria incolor
refratando ao contrário
verdades recônditas
rascunhadas pelas margens
entre as duas páginas
da folha em minhas mãos
vejo um palco iluminado
onde cantam ódio e amor
e suas dezessete gradações
em surdina no meu ralo
coração esburacado.
Do vizinho canta o galo
da noite suja de Belo Horizonte.
Da sua rede canta tu, leitor
do domingo universal
canta o rabo do tatu.
Cantam todos juntos,
multidão mambembe,
pau e porrete em punho,
na mais completa desafinação
enquanto descem roncando
a rua Henrique Passini
com a Capelinha
um ônibus amarelo
e o caminhão do lixo.
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