Sor Juana Inês de La Cruz fica famosa [e dizem alguns que acaba se ferrando e tem que abdicar da vida intelectual, pública e privada] quando sua carta contestando um dos Sermões do Mandato do Padre Vieira [sobre as finezas do Cristo] é publicada no México no século XVII. O procedimento retórico da monja é o seguinte: se o grande Vieira ousou contradizer Tomás de Aquino, João Crisóstomo e Agostinho, então eu, “humilde” monja, ouso nessa carta [formalmente endereçada ao próprio Vieira] contrariar o grande jesuíta.
E então ela desmonta tijolo a tijolo todo o edifício retórico do tal sermão até o que ela chama de “Aquiles” do sermão.
Um exemplo da desmontagem de Sor Juana me chamou particularmente a atenção. Comparando a crucificação com a ressurreição, Vieira diz que a dor causada pela morte é maior que a dor causada pela ausência do Cristo e dá como prova o fato de Maria Magdalena ter chorado na crucificação mas não na ressurreição. Sor Juana diz que é justamente o contrário – não se chora quando o sofrimento é maior – e eis aqui a pérola barroca:
“Cuando se recibe algún grande pesar, acuden los espíritus vitales a socorrer la agonía del corazón que desfallece; y esta retracción de espíritus ocasiona general embargo y suspensión de todas las acciones y movimientos, hasta que, moderándose el dolor, cobra el corazón alientos para su desahogo y exhala por el llanto aquellos mismos espíritus que le congojan por confortarle, en señal de que ya no necesita de tanto fomento como al principio.”
Em outras palavras: quem sofre uma dor extrema mesmo não chora: os espíritos vitais, que seriam exalados pelo pranto num sofrimento “normal”, acabam se retraindo para acudir ao coração em extrema agonia.
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