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Só um quadradinho


Imaginem um quadrado pequenino do território de um país imenso como o Brasil. Uma área rural, em geral pobre, atormentada por secas periódicas e pontilhada por cidades pequenininhas. Desde quadradinho vieram:
• a inspiração para um dos melhores poemas do nosso romantismo;
• uma cidade praticamente construída por um místico que até hoje é venerado/detestado ardentemente [e aliás por aqui passou um outro místico, que se estabeleceu não muito longe dali como veremos],
• um bandido/rebelde que se tornou uma das figuras míticas mais impressionantes da cultura brasileira;
• uma impressionante poesia popular de raízes orais;
• ali um pioneiro da industrialização brasileira construiu uma das primeiras usinas hidroelétricas do país e virou herói de cinema;
• ali um dos melhores prosistas brasileiros foi prefeito e escreveu relatórios famosos,
• dali saiu um dos maiores compositores e músicos populares do Brasil para cantar na diáspora do “sul-maravilha” a saudade da sua terra;
• ali, logo ao lado, existiu, ao sul, uma comunidade de miseráveis seguidores do tal místico que passou por esse quadradinho, uma cidade e um líder religioso que são personagens de um dos melhores livros do país;
• ali, logo ao lado, existiu, ao norte, o quilombo mais famoso da história colonial;
• ali logo ao lado existiu, à leste, uma das organizações pioneiras da luta pelo acesso à terra no Brasil, onde fez-se aliás um dos maiores documentários do país;
•Dali também veio o primeiro presidente de origem proletária no Brasil e um dos mais populares de todos os tempos.  
E eu nem vou a Recife, a leste, porque senão vira covardia e eu tenho mais o que fazer.
 
No ensaio “Colonialist Criticism” Achebe critica duramente o discurso crítico que parte do que ele define como “the assumption that when you talk about a people’s ‘level of development’ you define their total condition and assign them an indisputable and unambiguous place on mankind’s evolutionary ladder; in other words, that you are enabled by the authority of that phrase to account for all the material as well as spiritual circumstance.” Ele resume de forma mordaz esse tipo de discurso como “Show me a people’s plumbing, you say, and I can tell you their art”.


Comments

José Roberto said…
Favor registrar que neste quadradinho, exatamente em Garanhuns, nasceram Norma e José Roberto. Como muitos nordestinos andaram pelo Brasil (Salvador, BH, Rio e São Paulo) em busca de melhores dias. O engraçado é que eles só estão plenamente felizes quando visitam os parentes na terra natal.
É um quadradinho precioso, não é mesmo? Parabéns, José Roberto! Ali as raízes são fundas e o caldo engrossa!

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