Ilustração: Página de um caderno de notas meu |
A
CANTORA GRITANTE
Cantava tão bem
Subiam-lhe oitavas
Tantas tão claras
Na garganta alva
Que toda vizinhança
Passou a invejá-la.
(As mulheres, eu digo,
porque os maridos
às pampas excitados
de lhe ouvir os trinados,
a cada noite
em suas gordas consortes
enfiavam os bagos).
Curvadas, claudicantes
De xerecas inchadas
Maldizendo a sorte
Resolveram calar
A cantora gritante.
Certa noite... de muita escuridão
De lua negra e chuvas
Amarraram o jumento Fodão a um toco
negro.
E pelos gorgomilos
Arrastaram também
A Garganta Alva
Pros baixios do bicho.
Petrificado
O jumento Fodão
Eternizou o nabo
Na garganta-tesão... aquela
Que cantava tão bem
Oitavas tão claras
Na garganta alva.
Moral da estória:
Se o teu canto é bonito,
Cuida que não seja um grito.
Bufólicas, 1992
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