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Breve ensaio sobre tudo sob forte efeito de alucinógenos - Parte 1

Arte minha: "Auto Retrato em Preto e Branco"
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O estado de repouso estável depende do ajuste do eixo do corpo em perfeita consonância com a força cega e dura da gravidade. Nesse estado de repouso estável a força cega e dura da gravidade emudece porque seu vetor coincide perfeitamente com o eixo do corpo. Muda a gravidade parece desaparecer e o corpo parece soberano absoluto de seu estar no mundo. O estado de repouso estável parece só se interromper pela vontade direta e soberana do corpo. Graficamente imaginamos esse ajuste de eixos como uma linha reta horizontal ou vertical ou como um arranjo estritamente simétrico de linhas. Musicalmente imaginamos esse ajuste de eixos como intervalos, acordes e harmonias que chamamos de consonantes. Transferimos assim para os âmbitos visual e aural esse estado de repouso estável, essa ilusão de uma posição cômoda do corpo na sua relação com o mundo em que supõe-se que o peso pertence ao corpo ao invés de ser-lhe atribuído por essa força cega e dura que emana do planeta em que estamos.
Nos momentos de desajuste entre o eixo do corpo e a força cega e dura da gravidade surge a dissonância. Na dissonância a força cega e dura da gravidade perde sua camuflagem porque seu inflexível vetor e o maleável eixo do corpo já não coincidem mais. É nesse estado que sofremos o doloroso reconhecimento do outro que existe fora de nós, especificamente dessa força que vem de além dos limites do corpo e que exerce sobre ele uma pressão implacável que nos persegue cegamente desde o primeiro até o ultimo dia da vida e mesmo além. Imaginamos esse desajuste de eixos graficamente como uma linha curva ou em diagonal ou por um arranjo assimétrico qualquer. Musicalmente o imaginamos como intervalos, acordes e harmonias dissonantes. Transferimos assim para o âmbito visual e aural esse estado tensionado, instável e incômodo do corpo na sua relação com o mundo em que percebe-se a ação implacável dessa força cega e dura que emana do planeta em que estamos.

Vista como mera transição, a dissonância não incomoda tanto. Vista assim, como passagem, a dissonância aparece impregnada de uma combinação da melancólica memoria de um repouso anterior e da esperança na volta à ilusão reconfortante do repouso que é sentido como soberania mas que como solidão. A observação da alegre luta obstinada de uma criança que começa a caminhar é suficiente para que se perceba que a dissonância não é uma mera passagem. Nossos corpos vivem flutuando incessantemente de um arranjo para o outro, da consonância para a dissonância e vice-versa. Só nos momentos de prolongado repouso absoluto, a consonância existe livre dos fantasmas da precariedade dissonante que a antecederam e hão de suceder-lhe a qualquer momento.

Comments

Anonymous said…
Gostei. Achei bonito.
Tata
Obrigado, Tata. Eu fiquei meio sem saber o que é, mas azeite, né?

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