Muito interessante o artigo que Rodrigo Nunes publicou na FSP. Fiquei curioso e resolvi procurar o tal livro em inglês dele, que por sinal está disponível gratuitamente em PDF. Li até agora apenas a introdução - o livro é curto e planejo lê-lo todo ainda este semestre. Sinceramente me impressiona a coragem das pessoas de tentar refletir num nível macro, e acho mesmo importante que se faça isso aqui e agora. Quando li sobre a comparação com 68, pensei satisfeito que a prosa de hoje é muito superior àqueles rocamboles pós-estruturalistas tão comuns em outras eras.
"we need to keep our ideas of 'how things are' as distinct as possible from our ideas of 'how things should be' if we want a clearer sense of how, if at all, we can make the former into the latter."
A ideia é simples: separar o aspecto descritivo [como as coisas são] do aspecto prescritivo [como as coisas deveriam ser]. Reconheço-a de textos de linguística, que enfatizavam a importância e a necessidade de estudar a gramática da língua portuguesa como ela existe concretamente, sem ater-se ao caráter prescritivo que as gramáticas [e as academias que as preparavam] sempre tiveram. Reconheço também o conselho de Lévi-Strauss aos antropólogos: sejam inconformistas quando voltarem para casa, quando estiverem fazendo pesquisa em contato com outras culturas, não queiram mudar nada na cultura local, não queiram influenciar, só simplesmente observem. A advertência tem o seu valor, mas confesso que desconfio um pouco do argumento que diz que vamos nos ater em descrever as coisas como elas são. Descrevemos as coisas como as vemos, então a disposição de ver é sempre positiva. Mas vemos até onde o olhar alcança. Além do mais como falar de ação e organização política sem qualquer tipo de motivação política, interessados apenas na observação em nome do conhecimento? Rodrigo Nunes não propõe uma observação desinteressada e articula sua atuação numa sequência: primeiro olhemos para as coisas como elas são para só depois, num segundo momento, decidir o que fazer para fazer com que as coisas cheguem onde a gente gostaria que elas chegassem. Mas a aproximação da ideologia política com a esfera descritiva primordialmente me parece problemática. Aliás sempre que alguém procura sustentar que ideológico são os outros eu fico com um pé um pouco atrás - essa conotação de ideologia como falsidade ou negação da "realidade" não me apetece nem num pouco.
A introdução do livro também coloca a necessidade urgente de articular algo mais do que as críticas já ouvidas que colocam os movimentos atuais como liberalismo individualista cheio de falsas boas intenções ou como voluntarismo anarquista irresponsável e inefetivo. Não existe organização sem algum tipo de organização. Resta o desafio de descrever uma forma de organização que é marcadamente diferente das formas de organização com as quais nós nos acostumamos. E desafia os militantes a refletir testando os limites do seu próprio discurso com a coragem de não ignorar certas realidades. E lança um desafio dizendo, na lata: "as redes não são e não conseguem ser horizontais" e a tal horizontalidade transformou-se num obstáculo epistemológico. A questão das redes não torna obsoleta a noção de liderança nem a noção de representação nem a necessidade de fechamento de questão em torno de alguma coisa. Em outros termos: ou se leva em conta a necessidade de pensamento e ação estragégicos dentro das redes ou damos com os burros n'água.
Eu fui a apenas duas manifestações, uma em Campinas e uma em Belo Horizonte. Portanto meu conhecimento direto é extremamente limitado e amadorístico e não tenho a pretensão de dizer verdades sobre as tais jornadas de junho de 2013. O que vi ali na rua das duas cidades foi um mar de gente muito, muito diferente num estranho convívio. O pessoal que saiu para pedir o impeachment da Dilma já estava todo lá e, para eles, o movimento era tão deles quando de outros grupos. Vi também um monte de gente segurando outros cartazes, feitos individualmente, que me deixaram muito pouco à vontade por estar ali. A estratégia dos outros participantes como os de uma parte da esquerda, uma minoria significativa num mar de minorias, era ignorar e seguir em frente fingindo não estar na rua ao lado de um possível entusiasta de Caiado, Bolsonaro, Malafaia ou Feliciano. Em 2015, pelo jeito, só esse pessoal reacionário - gostaria de saber se fizeram pesquisas com os manifestantes de 2013 como andam fazendo com os de 2015 - resolveu sair às ruas e acabou intimidando o resto, que ficou em casa.
"we need to keep our ideas of 'how things are' as distinct as possible from our ideas of 'how things should be' if we want a clearer sense of how, if at all, we can make the former into the latter."
A ideia é simples: separar o aspecto descritivo [como as coisas são] do aspecto prescritivo [como as coisas deveriam ser]. Reconheço-a de textos de linguística, que enfatizavam a importância e a necessidade de estudar a gramática da língua portuguesa como ela existe concretamente, sem ater-se ao caráter prescritivo que as gramáticas [e as academias que as preparavam] sempre tiveram. Reconheço também o conselho de Lévi-Strauss aos antropólogos: sejam inconformistas quando voltarem para casa, quando estiverem fazendo pesquisa em contato com outras culturas, não queiram mudar nada na cultura local, não queiram influenciar, só simplesmente observem. A advertência tem o seu valor, mas confesso que desconfio um pouco do argumento que diz que vamos nos ater em descrever as coisas como elas são. Descrevemos as coisas como as vemos, então a disposição de ver é sempre positiva. Mas vemos até onde o olhar alcança. Além do mais como falar de ação e organização política sem qualquer tipo de motivação política, interessados apenas na observação em nome do conhecimento? Rodrigo Nunes não propõe uma observação desinteressada e articula sua atuação numa sequência: primeiro olhemos para as coisas como elas são para só depois, num segundo momento, decidir o que fazer para fazer com que as coisas cheguem onde a gente gostaria que elas chegassem. Mas a aproximação da ideologia política com a esfera descritiva primordialmente me parece problemática. Aliás sempre que alguém procura sustentar que ideológico são os outros eu fico com um pé um pouco atrás - essa conotação de ideologia como falsidade ou negação da "realidade" não me apetece nem num pouco.
A introdução do livro também coloca a necessidade urgente de articular algo mais do que as críticas já ouvidas que colocam os movimentos atuais como liberalismo individualista cheio de falsas boas intenções ou como voluntarismo anarquista irresponsável e inefetivo. Não existe organização sem algum tipo de organização. Resta o desafio de descrever uma forma de organização que é marcadamente diferente das formas de organização com as quais nós nos acostumamos. E desafia os militantes a refletir testando os limites do seu próprio discurso com a coragem de não ignorar certas realidades. E lança um desafio dizendo, na lata: "as redes não são e não conseguem ser horizontais" e a tal horizontalidade transformou-se num obstáculo epistemológico. A questão das redes não torna obsoleta a noção de liderança nem a noção de representação nem a necessidade de fechamento de questão em torno de alguma coisa. Em outros termos: ou se leva em conta a necessidade de pensamento e ação estragégicos dentro das redes ou damos com os burros n'água.
Eu fui a apenas duas manifestações, uma em Campinas e uma em Belo Horizonte. Portanto meu conhecimento direto é extremamente limitado e amadorístico e não tenho a pretensão de dizer verdades sobre as tais jornadas de junho de 2013. O que vi ali na rua das duas cidades foi um mar de gente muito, muito diferente num estranho convívio. O pessoal que saiu para pedir o impeachment da Dilma já estava todo lá e, para eles, o movimento era tão deles quando de outros grupos. Vi também um monte de gente segurando outros cartazes, feitos individualmente, que me deixaram muito pouco à vontade por estar ali. A estratégia dos outros participantes como os de uma parte da esquerda, uma minoria significativa num mar de minorias, era ignorar e seguir em frente fingindo não estar na rua ao lado de um possível entusiasta de Caiado, Bolsonaro, Malafaia ou Feliciano. Em 2015, pelo jeito, só esse pessoal reacionário - gostaria de saber se fizeram pesquisas com os manifestantes de 2013 como andam fazendo com os de 2015 - resolveu sair às ruas e acabou intimidando o resto, que ficou em casa.
Comments