Cecile e seu caçador/dentista |
Uma gota de fenomenologia: sobre leões e domadores
Comecemos com uma obviedade: o leão é mais forte que o domador. Mas o
leão não sabe disso. A tarefa do domador é esconder suas cicatrizes e
apresentar ao leão um modo de ver o mundo em que a existência da jaula e do
chicote seja uma consequência natural. Também deve ser uma consequência natural
desse mundo que o domador apresenta ao leão com seu chicote e sua jaula o fato
de que a carne de primeira está sempre no prato do domador e ao leão enjaulado
resta sempre apenas os ossos e os nervos.
Esse é o ponto nevrálgico que articula o discurso do domador com o seu
poder sobre o leão. Outro nome para esse ponto de articulação é ideologia. Ele é
como um corte que se esconde por debaixo de uma cicatriz e a faz coçar. Escondê-lo
é ainda mais importante que esconder as cicatrizes que o domador porventura
carregue na pele.
O discurso que produz essa forma peculiar de ver o mundo como se ela
fosse a única forma possível de ver o mundo é executado por um coro de vozes de
domadores. Os domadores não são todos cantores iguais. O concerto comporta um
certo grau de dissonância. Existe entre os domadores/cantores [e mesmo dentro
de cada um deles] um certo grau de diferença. Essa diferença é comparável às
diferenças que existem entre vários cães de um mesmo canil. Essa diferença
é um dos seus disfarces mais sutis.
Lippy the Lion |
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