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A Macabéa de Clarice Lispector, Marcélia Cartaxo e Suzana Amaral |
O ofício dos cadáveres
Brenda Ríos
Quando mais me afasto de Lispector mais próxima me sinto... tenho Macabéa na cabeça e me comove à media em que a vou compreendendo ainda que não a veja há quase três anos. Que coisa é a literatura que nos faz sentir compaixão por seres que não existem, que não são? Por que a construção ficcional pode ser mais verídica que o que aconteceu hoje de manhã no trabalho ou no mercado, no acidente que testemunhamos no caminho de volta para casa? Como ignoramos os detalhes da nossa própria relação com os demais e nos lembramos de detalhes mínimos, coloridos, das vidas em romance, das vidas dos personagens, dos pensamentos dos personagens? Que somos capazes de dar quando nos fechamos e preferimos a porta de outro mundo lendo do que viver com nós mesmos? ler pareceria um exercício de covardia. outro dia falava de Sándor Márai e seus romances que tratam da amizade entre homens, romances muito masculinos e cheios de nostalgia pelo império perdido da Europa; falava dele como se tivéssemos tomado o café da manhã juntos. É assim próxima e perversa a relação que estabelecemos com os livros, acreditamos que conhecemos os autores, não por eles mas pelas vidas inventadas.
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Inés Arredondo |
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Omar Khayyam |
Lispector não importa, importa Macabéa... mas as duas estão vinculadas no mesmo jogo. E o jogo literário é tal que qualquer um pode entrar nele, ler é aceitar as regras ocultas e tácitas, uma pessoa sabe que lê algo inventado: o fascínio começa quando se acredita mais no invento, mais no artifício que em tudo o mais... E é claro, a verdade nunca interessou, dela se ocupem os filósofos. Omar Khayyán, filósofo, astrônomo e poeta persa do século XI me traz unida a ele como nenhuma relação amorosa pode fazer. Suas palavras chegam e dizem coisas do tempo, dos mitos, das uvas no deserto, do amor condenado a evaporar-se e do vinho como refúgio da brevidade da vida na terra. Sua poesia julgada como herege fala da divindade que existe em cada homem se ele aprecia viver, se aprecia o gozo e se entrega ao prazer antes que nos alcance a guerra ou a miséria que existe dentro de cada um de nós. Khayyán é um amante sem corpo de quem alguém se lembra pela noite imensa do beijo que promete a si mesmo como o último. Agora há uma mulher que não sei se posso chamar de amiga, a relação que tenho com ela é mais de distância: Arredondo. Ela me parece uma mulher desagradável, inclusive. Não gostaria de tê-la próxima a mim... mas por aqui ando, pensando também nos temas e nas obsessões que não têm a ver comigo e ao mesmo tempo são tudo.
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