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A conveniência que comunica fragrâncias a pestíferas cloacas

"INTERESSE. Proveito, utilidade, que se tira, ou espera de huma cousa. [...] O centro do mundo moral é o interesse. Nesse ponto vão parar todas as linhas da circunferencia do trato Economico, & Politico. Mais póde o interesse, que a natureza, porque esta a impulsos do interesse se muda. Mudaõse as vontades, mudaõse os entendimentos, os genios as inclinaçoens, os intentos, &; as resoluçoens se mudão. Protheo [velho deus grego das marés em eterna mutação] de todas estas variedades, & mudanças he o interesse. Camaleaõ da fortuna; de todas as cores se veste; Só nunca he candido, porque he a cor da innocencia. Quando de hum bezerro fizeraõ os Hebreos hum Nume, mostravaõ que veneravaõ a soberania, mas adoravaõ a materia. Todos os dias renova o interesse sacrilegas veenraçoens; o sogeito mais dourado he o mais adorado. [e lá vem antisemitismo...] Ao interesse negou a Gentilidade altares, por lhe parecer Deidade vil, & baixa; tambem deviaõ negar o interesse ás Deidades, que do seu rendimento faziaõ negocio. Ainda hoje, em muytas, mais póde o dinheiro que a honra, porque hoje naõ há honra sem utilidade, nem gloria sem proveito. Nem he nova cita depravação. Já nos seculos passados, quando o fim dava lucro não se reparava na indecencia dos meyos. Estranhando Tito, ao emperador Vespasiano, seu Pay, a torpeza do tributo, que puzera á ourina, tomou o Emperador huma moëda, tirada do ditto tributo, & a metteo nas mãos do filho, dizendolhe que visse se tinha mao cheiro. A pestiferas cloacas communica fragrancias a conveniencia."

Fragmento da definição da palavra INTERESSE no dicionário de Raphael de Bluteau de 1728 singelamente chamado de Vocabulario Portuguez e Latino, Aulico, Anatomico, Architectonico, Bellico, Botanico, Brasilico, Comico, Critico, Dogmatico, etc. autorizado com exemplos dos melhores escriptores portuguezes e latinos, e oferecido a el-rey de Portugal D. João V. A cópia da Biblioteca Mindlin foi digitalizada e pode ser consultada aqui. Na mesma página se pode consultar também a extensão do livro de Bluteau que foi feita por Antonio de Moraes Silva.

Moraes Silva acrescentaria as variações intarèsse e interés, mas elimina essa longa arenga contra o interesse, esse proteus que desde sempre envenena as relações humanas. A leitura não é só um lembrete dos tempos em que os dicionaristas inseriam no meio dos seus dicionários longas arengas rabugentas [essa aí, no caso, belíssima e importante para entender um pouco melhor, por exemplo, aquele tom dos sermões do pai de Lavoura Arcaica]. Serve também para despreocupar aqueles que acham que as regras que governam a pontuação, os acentos e a ortografia do português de hoje em dia são questão de vida ou morte para o futuro da civilização que fala português.  

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