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Sobre Nomes e Guerras

Brasão da Colônia
Era uma vez um chefe indígena dos Algonquins [habitantes do nordeste dos Estados Unidos], mais especificamente dos Wampanoags, chamado Metacom. Ele e o irmão Wamsutta fizeram uma visita oficial às cortes na vila de Plymouth, no coração das colônias inglesas na região, em 1660. Os ingleses, em sua grande maioria puritanos, deram aos dois irmãos nomes dos antigos reis da Macedônia: Metacom foi chamado de Felipe e Wamsutta de Alexandre. Os nomes complementavam a ideia expressa no brasão da colônia, que exibia um índio dizendo "Venha a nós e nos ajude", citação bíblica de uma visão noturna de Paulo, um habitante da Macedônia que dizia exatamente isso [Atos 16:9], o que fez com que Paulo e companhia fossem pregar por lá. Assim os puritanos iam entranhando a ideia de que os índios eram pagãos suplicando pela palavra de Cristo, na versão puritana, é claro.

Parece que Metacom adotou o nome - os Algonquins tinham esse costume Riobáldico de ir trocando de nome de acordo com a fase por que passavam na vida. Felipe não era só Felipe [ou Felipe Camarão, como o Pernambucano] mas era Rei Felipe, tendo os puritanos traduzido o conceito de Sachem [chefe] dos Algonquins pelo monárquico europeu. Cinco anos depois daquela audiência oficial, o Rei Felipe lançava-se em guerra no comando de várias tribos Algonquins [Nipmucks e Narragansetts se juntaram aos Wampanoags] a apagar a Nova Inglaterra do mapa.

Dois pastores rivais escreveram sobre o conflito que durou dois anos e custou milhares de vidas dos dois lados. O famoso Increase Mather [pai de Cotton Mather e reitor de Harvard] e William Hubbard. Hubbard chamou seu livro" Narrative of the Troubles With the Indians in New-England e criticou Increase Mather por ter chamado o seu livro A Brief History of the Warr with the Indians in New-England por dois motivos: um conflito iniciado por índios selvagens não seria digno da palavra "Guerra" e por estensão seria uma pretensão do autor chamar de "História" o relato do que aconteceu.

Metacom/Felipe chegou com suas tropas a 10 milhas de Boston, coração da colônia inglesa. Sem conseguir um tratado de paz com seus inimigos tradicionais Mohawks [de etnia Iroquois e famosos pelo livro de Fenimoore Cooper - O último dos Moicanos - e pelo penteado dos punks] e sendo obrigado a lutar em duas frentes, Felipe perdeu a guerra brutal, que terminou com o sequestro da mulher e do filho do "rei" dos Algonquins e o assassinato do prório nas mãos de um traidor. Felipe foi esquartejado e sua cabeça ficou em exposição em Plymouth por 25 anos. Seu filho foi vendido como escravo no Caribe.

Uma guerra é uma disputa violenta por várias coisas, entre elas pelo controle dos termos em que se contam e contarão os eventos da própria guerra, desde os motivos para o seu começo até as consequências para vitoriosos e derrotados. Quando travada entre uma cultura oral e uma cultura letrada [e ainda por cima cheia de armas de pólvora], cada vitória da primeira acaba parecendo apenas um adiamento da vitória final da segunda.

Os acontecimentos que acabo de descrever são hoje uma nota de pé de página na história colonial dos Estados Unidos, conhecidos como "King Philip's War", a Guerra do Rei Felipe. 

Os principais aliados dos ingleses, os Mohegans, posteriormente comeram aquele pão que o diabo amassou que comeram e comem os povos indígenas nas Américas. Hoje são donos do maior cassino da costa leste dos Estados Unidos, o Mohegan Sun. Mas isso já é outra história.
 

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