Johnny Otis |
A gravação de "Hound Dog" no vídeo acima foi feita em 1965 com ninguém menos que Buddy Guy na guitarra. A gravação original de Thornton ficou por sete semanas no número 1 da parada nacional no setor Rhythm&Blues e motivou uma série de canções-respostas de cantores homens, mas isso já é outra história.
The Ink Spots |
Em 1955 um certo quase desconhecido Elvis Presley viu um grupo chamado Freddie Bell and the Bellboys no Sands Hotel em Las Vegas tocar "Hound Dog" num número de humor, fingindo que a canção era mesmo sobre um cachorro. Ele gostou.
Elvis gostava mesmo é de baladas - a canção do seu repertório sempre foi "It's Now or Never" que não passa de uma versão da napolitaníssima "O Sole Mio". Mas Elvis era um moleque do Mississippi que dominava com facilidade todo o vocabulário formal que dominava a parada R&B e a parada Country&Western. E conseguia misturar as três coisas [que afinal eram mesmo aparentadas de qualquer jeito]. "That's All Right" de 1954, por exemplo, é levada por uma voz com intonação "Pop", ritmo "R&B" e ênfase "country":
O seu primeiro produtor Sam Philips descrevia essa habilidade como "three-way appeal" [um apelo de três vias]: ouvintes de Pop, Hillbilly e R&B gostavam do que Elvis Presley gravava.
Àquela altura nos anos 50 essas barreiras que separavam a parada R&B da parada Pop já estavam sendo mesmo derrubadas. 76% das canções de artistas negros colocadas na parada R&aB chegaram também à parada Pop [ou seja, eram também consumidas por brancos]; 87% em 1957 e 94% em 1958. Em 1954 só 3% das canções da parada Pop eram de compositores afro-americanos; em 1957 esse número chegava a 30%! Em 1957 artistas negros como Chuck Berry com "Maybellene" [No1 na parada R&B e No5 na parada Pop] e Little Richard com "Tutti Frutti" [No1 na R&B e No17 na parada Pop] faziam o mesmo caminho de Elvis Presley só que no sentido posto.
Do outro lado da cerca do Apartheid que ainda funcionava nos Estados Unidos, começavam a aparecer artistas como Freddie Bell, Pat Boone e o próprio Elvis Presley que, ao invés de transformar canções R&B em canções Pop [suaves, bem acabadíssimas, cheias de compostura], tocavam e cantavam canções obviamente R&B como faziam os artistas da parada de R&B.
As vitrolas portáteis de US$12.95 que só tocavam discos compactos a partir de 1949 e os rádios portáteis a partir de 1954 também favoreciam o crescimento de um mercado de música para jovens nos Estados Unidos. Em 1948 menos de 2% dos lares americanos tinham uma televisão, sete anos depois dois terços do país já assistia 3 ou 4 canais que tinham audiências dignas de Rede Globo e programavam principalmente programas de variedades com números musicais. Em 1956, nesse contexto, Elvis Presley canta [e dança] "Hound Dog" para 40 milhões de pessoas no programa de Milton Berle. Chegaram a fazer duas filmagens porque tinham medo de que os quadris do sujeito fossem destruir a família e a moral. "Hound Dog" de Elvis chegou ao número 1 nas três paradas e uma juventude inteira começou a rebolar provocantemente e a gritar um monte de músicas com três acordes com letras cheias de sacanagem e duplo sentido sobre as coisas dionísicas da vida.
Comments
Interessante pensar como serão esses números no futuro. Um hipotético observador em 2050 provavelmente relatará com espanto que o "retorno" (se é que algum dia eles foram a algum lugar) do Radiohead se deu com Burn the witch, música que, quando postada no (já finado) YouTube, obteve 6 milhões de visualizações em dois dias. Feito impressionante, numa época em que os vídeos ainda não estavam implantados por meio de chips eletrônicos nos cérebros das pessoas.
Amplexo!
André
Abraço
Márcio