Eu me prometi não sucumbir a esse tipo de prosa raivosa, mas às vezes eu não resisto. Perguntaram recentemente a um técnico português se um dos seus jogadores brasileiros poderia se transferir para um clube brasileiro. O tal patrício demonstrou espanto incrédulo com a pergunta e arrematou: “No Brasil, só se vai passar férias". Essa pérola, simultaneamente lusitana e futebolística, me fez pensar numa explicação para as pessoas no primeiro mundo se sentirem tão à vontade com a literatura de “latinoamericana” de Bolaño de 2666: é porque os personagens de Bolaño em geral [mas nem sempre] vivem se deslocando, viajando, imigrando, fugindo, sendo deportados, se extraviando, etc. E um latino-americano é, no imaginário do habitante do primeiro-mundo, um ser em permanente deslocamento.
Para essas pessoas um latino-americano só existe concretamente, só tem interesse efetivo, quando está fora da América Latina, preferivelmente em caráter permanente. Isso porque a América Latina [e o teceiro mundo em geral] é transformada pela fértil e perversa imaginação dessas pessoas em um estranho lugar que é ou um eterno paraíso tropical de férias, ou uma aldeia meio abandonada onde uns velhinhos meio gagás esperando seus filhos e netos voltarem para uma última visita, ou um inferno tipo Heart of Darkness, onde as pessoas se matam como escovam os dentes quando têm dentes ou trocam os sapatos quando não vivem descalças. Essa gente com quem eu convivo bem de perto são o que a minha sábia e irônica professora Candace Waid chamava de “provincianos urbanos”: cosmopolitas de araque de Nova Iorque que ficam discutindo na New Yorker sobre o tempero do cachorro quente de não sei qual esquina de Manhattan e acham que o mundo inteiro, ou, pelo menos, aquela parte do mundo que vale a pena se interessar, necessariamente passa em desfile pela porta da sua casa, ou no MoMa ou no BAM ou nos cinemas ou nos festivais da cidade. Esse tipo de provincianismo, diga-se de passagem, não é privilégio do primeiro mundo, podendo se manifestar em São Paulo, Rio de Janeiro, e até Belo Horizonte. E, voltando à vaca fria, passei hoje da página número 1000 de 2666 e Bolaño é mesmo um grande escritor e não tem nada a ver com isso.
Para essas pessoas um latino-americano só existe concretamente, só tem interesse efetivo, quando está fora da América Latina, preferivelmente em caráter permanente. Isso porque a América Latina [e o teceiro mundo em geral] é transformada pela fértil e perversa imaginação dessas pessoas em um estranho lugar que é ou um eterno paraíso tropical de férias, ou uma aldeia meio abandonada onde uns velhinhos meio gagás esperando seus filhos e netos voltarem para uma última visita, ou um inferno tipo Heart of Darkness, onde as pessoas se matam como escovam os dentes quando têm dentes ou trocam os sapatos quando não vivem descalças. Essa gente com quem eu convivo bem de perto são o que a minha sábia e irônica professora Candace Waid chamava de “provincianos urbanos”: cosmopolitas de araque de Nova Iorque que ficam discutindo na New Yorker sobre o tempero do cachorro quente de não sei qual esquina de Manhattan e acham que o mundo inteiro, ou, pelo menos, aquela parte do mundo que vale a pena se interessar, necessariamente passa em desfile pela porta da sua casa, ou no MoMa ou no BAM ou nos cinemas ou nos festivais da cidade. Esse tipo de provincianismo, diga-se de passagem, não é privilégio do primeiro mundo, podendo se manifestar em São Paulo, Rio de Janeiro, e até Belo Horizonte. E, voltando à vaca fria, passei hoje da página número 1000 de 2666 e Bolaño é mesmo um grande escritor e não tem nada a ver com isso.
Comments
mas... o título não seria "por que"?