Skip to main content

Uma gotícula de teoria: correr riscos em literatura

Encontrei um trecho de entrevista de Bolaño em que ele fala sobre a idéia de correr riscos em literatura, articulando o formal e o que ele chama de ético, deixando claro que o formalismo que podemos chamar de experimental pode ser a mais chata e previsível das literaturas justamente pelo seu vazio, por propor uma forma sem assumir qualquer tipo de risco no campo da relação entre arte e experiência, entre arte e vida. Bom, pelo menos essa é a interpretação que eu dei ao trecho...

n.enc
..
"Cuando hablo de riesgos formales no me limito a lo que comúnmente se llama literatura experimental. Tampoco estoy pensando en lo que se suele designar como literatura aburrida. La literatura aburrida, precisamente, es la que no asume riesgos. Y los riesgos, en literatura, son de orden ético, básicamente ético, pero no pueden expresarse si no se asume un riesgo formal".
... "De hecho, en todos los ámbitos de la vida la ética no puede expresarse sin la asunción previa de un riesgo formal".

Comments

Esse assunto me interessa muito, muito difícil também. Porque a "experiência" também é mediada pelo que ouvimos sobre ela.

Num exemplo simples: no Brasil, muita gente de classe média vive preocupada com assaltos, violência urbana, violência policial, traficantes, etc. Então parece que isso é parte da "experiência", e há uma série de escritores escrevendo sobre isso.

Mas seria possível ignorar essa informação que nos rodeia e tentar medir nossa própria experiência, digamos estatisticamente? Quanto tempo da minha vida se passou com uma experiência real de violência (sem TV ou jornal)? Acho que passei por 2 ou 3 furtos bastante banais, nunca vi uma arma na mão de um assaltante. Assisti ao longe policiais dando batidas nas pessoas (provavelmente inocentes), mas essa violência moral nunca se tornou física, na minha frente.

- - -

O que seria minha experiência? Precisaria confessar que vivo num mundo bastante doméstico e pouco intenso.

- - -

E o que significa uma ética pessoal e estética nisso tudo?

Olha: não é fácil.
Concordo que o assunto eh dificil mesmo. Mas acho que ele nao pensa apenas na experiencia concreta pessoal do escritor, mas em como o escritor imagina a experiencia de estar vivo a essa altura dos acontecimentos nesse planeta infeliz.
Veja que o romance do Bolano tem bem no centro dele o chamado "feminicidio" de Ciudad Juarez, na fronteira do Mexico com os EUA. Centenas de mulheres foram estupradas e assassinadas nessa cidade durante anos e as investigacoes foram mal feitas [como seriam no Brasil se se tratasse de mulheres operarias, como era a grde maioria das vitimas no Mexico].
Bom, Bolano nunca viveu la [viveu muitos anos na capital do Mexico], o que nao quer dizer que ele nao tenha enfiado um monte de coisas que ele viveu diretamente tbm.
Acho que devem ter dois tipos de escritor: os como Drummond, que levam uma vida de funcionario publico [agitada nessas proporcoes ate] e os como Hemingway, que saem fazendo mil peripecias pela vida afora. Mas isso em si nao define nada. Tem vida mais chata, mais desprovida de grandes acontecimentos que a de Kafka?
E depois literatura nao tem que ser feita de grandes eventos mesmo, no e mesmo? As vezes um livro em que "nada" acontece eh um livro que diz muito mais sobre a experiencia humana que um livro cheio de explosoes, guerras e sequestros.
E na verdade a gente nunca deveria lamentar demais uma vida pacata [a minha tbm daria uma biografia-sonifero perfeita].

Mas a sua pergunta final continua ali, no final do seu comentario, fatal. Acho que eh pra responde-la que a gente escreve, talvez.
Depois fiquei pensando que uma certa postura ética (filosófica, o que se queira) existe igualmente no esforço de leitura, escrita e vivencia. Diferenciar o raro do repetitivo, limpar o excesso de mediação, a repetição de padrões desgastados.

Não gosto de escrever em termos abstratos, mas me parece indiscutível que a experiência original quase não existe, tantas são as camadas de leituras prévias que temos sobre praticamente tudo o que nos acontece. E, por outro lado, nada "nos acontece" se não tivermos alguma preparação para aquilo, porque a memória apaga e distorce o que não podemos compreender.

- - -

Tem um diálogo lindo sobre isso no filme "Vivre sa vie", do Godard. Ele coloca um filosofo real (esqueci o nome) para conversar com a Anna Karina, que faz uma jovem prostituta. São quase dez minutos da fala desse filósofo, é muito bacana.
Anonymous said…
http://markonzo.edu http://www.rottentomatoes.com/vine/showthread.php?p=17358285 http://aviary.com/artists/webergrills http://blog.bakililar.az/biofreeze/

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...