Skip to main content

Sobre desastres e tragédias

As pessoas abusam desse jogo entre o natural [o desastre] e o cultural ou humano [a tragédia] para sutilmente atribuir ou desatribuir responsabilidades quando as coisas acontecem.
Assim o humaníssimo desastre de Wall Street é descrito na imprensa como um tsunami criado por misteriosas forças do “mercado” e os terremotos, desabamentos, incêndios e enchentes que terminam em mortes às pencas quando envolvem pessoas pobres são todos “fatalidades”.
Mas as fatalidades não acontecem em qualquer lugar. O furacão Katrina não era diferente nos bairros mais elegantes de Nova Orleans e no “Ninth Ward” - era o mesmo desastre, que só virou tragédia na parte da cidade onde viviam os “indesejáveis”. Os desastres naturais no terceiro mundo - incluo aqui certos territórios do chamado primeiro mundo - são sempre tragédias humanas, porque as cidades são construídas precariamente - mas essa precariedade, esse improviso mambembe, esse desleixo não é para todos, não é mesmo?
O caso das enchentes no Brasil é claro em um ponto que vale a pena levar em consideração: quando chove muito em uma metrópole brasileira e nada acontece (ninguém morre afogado ou soterrado, nenhuma casa ou barraco cai) a imprensa não noticia. Talvez a gente se pergunte, "noticiar o quê? Não aconteceu nada!" Mas se prestássemos atenção veríamos que as chuvas intensas que caem mais ou menos nos mesmos lugares nas mesmas épocas do ano não afetam sempre as cidades do mesmo jeito. O que eu quero dizer é que as administrações (nesse caso, municipais) não são todas iguais. E um dos motivos pelos quais o nível da administração pública e da política parece estar tão baixo é que nós parecemos incapazes de identificar a diferença.

Comments

Anonymous said…
Concordo plenamente, tanto q temos sido incapazes de registrar as diferencas. qto de q esta eh uma das causas da ma administracao publica. Esta colocacao evidencia a dificuldade de assumirmos a noossa parcela de responsabilidade...
E de atribuir responsabilidades sem cair no lugar comum de dizer que "eles" [os políticos, os governantes, etc] são todos iguais, todos corruptos e incompetentes.
bem... eu tenho uma raiva especial da cobertura jornalística nesses casos.

nas enchentes de santa catarina, a tv record fazia vários boletins diários, levaram onibus de voluntarios, etc.

poucos meses depois, houve uma enchente de iguais proporções num estado do norte ou nordeste (ok, confesso, não lembro qual). não houve comoção nacional, nem voluntarios, nem nada.

mesmo na nossa nobre pátria, um loiro ainda merece mais piedade que um nordestino.

- - -

quanto ao haiti, o governo brasileiro está mandando bombeiros, comida, etc.

mas no jardim pantanal, em SP, tem gente vivendo em ruas alagadas há um mês! esses bombeiros não podiam ajudar?
Concordo, Sabina. Não passa de uma exploração barata da miséria alheia, sem qualquer consequência mais duradoura para as vítimas dessas desgraças. Além do mais, nunca se procurar apontar quem foram os que permitiram ou fingiram que não viram as ocupações dessas áreas de risco, geralmente por gente que não tem como morar em lugar melhor.

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema