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a disparidade de forças não é nem será razão para que a gente se cale

Julio Cortázar escreveu, sob o impacto das notícias das atrocidades da ditadura argentina, o conto "Recortes de prensa" em que um escultor e a escritora/protagonista, ambos argentinos conversam sobre o sentimento de impotência e futilidade que os dois artistas sentem depois de ler uma carta de denúncia da perseguição implacável a uma família publicada no jornal [esse trecho, literalmente tirado de um jornal da época, é o primeiro dos dois recortes de jornal que aparecem no texto]. A parte mais importante do diálogo dos dois, na minha opinião, é esta:
"—Ya ves, todo esto no sirve de nada —dijo el escultor, barriendo el aire con un brazo tendido—. No sirve de nada, Noemí, yo me paso meses haciendo estas mierdas, vos escribís libros, esa mujer denuncia atrocidades, vamos a congresos y a mesas redondas para protestar, casi llegamos a creer que las cosas están cambiando, y entonces te bastan dos minutos de lectura para comprender de nuevo la verdad, para...
—Sh, yo también pienso cosas así en el momento —le dije con la rabia de tener que decirlo—. Pero si las aceptara sería como mandarles a ellos un telegrama de adhesión, y además lo sabes muy bien, mañana te levantarás y al rato estarás modelando otra escultura y sabrás que yo estoy delante de mi máquina y pensarás que somos muchos aunque seamos tan pocos, y que la disparidad de fuerzas no es ni será nunca una razón para callarse. Fin del sermón. ¿Acabaste de leer? Tengo que irme, che."

Somos muitos ainda que sejamos poucos, e a disparidade de forças não é nem será razão para que a gente se cale.

Comments

que lindo!

eu tenho más lembranças das tentativas de ler cortazar... rayuela é mesmo bom?
Aqui entre nós... não [na minha opinião]! Mas os contos são maravilhosos, para mim [segunda "heresia" desse comentário] melhores às vezes que os de Borges.
sabina said…
hehe. comprei o livro faz alguns anos, mas não me empolguei. ficou na estante me jogando culpa.
Vc encontra na internet vários contos dele no espanhol. Eu gosto muito desse "Recortes de Prensa" que está num dos últimos livros dele.

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