[Esse post veio do incômodo que muita gente leiga tem quando digo que me formei em literatura comparada...]
Toda a comparação deveria ser um jogo delicado entre continuidades ou semelhanças e rupturas ou diferenças. Infelizmente a balança costuma pender exageradamente para um lado ou outro, mesmo porque parece que vivemos um verdadeiro culto dos juízos categóricos e das afirmações bombásticas. E não há nada de categórico ou bombástico em afirmar, por exemplo, que Brasil e Estados Unidos se parecem em muitas coisas e são bem diferentes em outras tantas. Aliás, se não entramos no no mérito da questão e definimos melhor as semelhanças e diferenças, isso não quer mesmo dizer nada.
Nos Estados Unidos fala-se muito no “excepcionalismo”, a idéia de que esse país foi e é diferente dos outros, único. O termo aparece, em geral, quando comparações são feitas entre os Estados Unidos e os países mais ricos e influentes do oeste europeu [Inglaterra, França, Alemanha]. Mas é curioso que o termo apareça num contexto comparativo, porque o excepcionalismo tende a ser uma forma fácil de evitar comparações mais complexas, explicando diferenças e principalmente ignorando semelhanças incômodas. “Ora”, diz o defensor do exepcionalismo, “a religião é muito mais importante nos Estados Unidos que na europa ocidental porque… os Estados Unidos são um país único, diferente da Europa.”
O excepcionalismo, ainda que sem esse nome, é uma doutrina também muito popular no Brasil, nos levando a um insularismo miserável. Com os olhos fixos no umbigo, decidimos que nossa música, nosso futebol, nossa língua, nossos costumes, nossa história, nossa política até nossa corrupção é única, diferente de tudo o mais o que há no mundo. Nossa fé no excepcionalismo se declara usualmente com um começo de frase sempre mais ou menos igual, tanto para os elogios como para as críticas: “só mesmo no Brasil para…” Isso aliás se encaixa muito bem com a nossa esquizofrenia [nada incomum na américa latina] que pensa sempre em superlativos – todos os elogios são desmesurados e todas as críticas demolidoras: temos as praias mais lindas e os políticos mais nojentos, o melhor futebol e a pior organização, o pior trânsito e a melhor comida, as melhores novelas ou a pior televisão do mundo no domingo. No orgulho ufanista ou na vergonha masoquista, o exepcionalismo não admite espaço para um país comum, na média, igual a muitos outros, com problemas semelhantes aos de outros lugares.
Por exemplo: discutiu-se muito a invasão da reitoria da USP no Brasil mas acho que ninguém quis pensar comparativamente em outras invasões mais ou menos recentes acontecida em grandes universidades públicas mais ou menos semelhantes (me refiro à Universidade Autónoma de México [UNAM] e a Universidade da Califórnia [UC], dois outros mastodontes do ensino superior nas Américas).
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