Skip to main content

Poema meu: Hino à Bandeira

Hino à Bandeira


Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamped on these lifeless things,
“Ozymandias”

Between the motion
And the act
Falls the shadow
“The Hollow Men”



O que vejo quando olho
a bandeira pendurada
no mastro da sua casa
não são as fronteiras,
as cicatrizes visíveis,
tão óbvias e inapagáveis,
de guerras, saques e conquistas.
O que vejo aqui
são forças sutis,
misteriosas, antigas,
impregnadas desde a partilha
das relíquias de reis e santos,
desde os banquetes dos Timbiras,
desde o massacre dos Cananeus.
O que vejo aqui
são rios profundos,
subterrâneos, água escura
que sobe lenta as veias
até nos turvar os olhos
na frente embaçada
do espelho do banheiro.
São sombras projetadas pra dentro,
que nos rasgam e costuram
entre estranhos e estrangeiros
e resistem aos vaivens
do poder e do dinheiro.
O que vejo aqui na minha frente
são ventos que correm
por dentro da boca,
esfumando as velas
dum catálogo de armas
e barões assinalados,
fantasmas antigos,
involuntários do mato,
pátrias de chuteiras,
nossos ame-os ou deixe-os,
o futuro que não chega,
o pocamadrismo
do orgulho ferido de morte
da Malinche deslumbrada,
o cosmopolitismo do pobre,
a cosmética da fome,
o Mazombo ressentido,
o fígado azul de Prometeu,
esses labirintos de metáforas,
alusões e rimas ricas
da lei de Herodes,
dos filhos da puta
e de los hijos de la chingada,
a cidade nova
plantada no chão
do planalto em chamas,
a elegância dos príncipes,
as veias abertas,
e as revoluções
que cortam cabeças
mas não perdem os dedos
e escondem os anéis,
uma cidade desfeita
uma vez por ano
pelas chuvas de janeiro,
uma chuva de relâmpagos
numa montanha de ferro
e um par de rios.

Na bandeira em trapos,
no selo rasgado,
na estátua sem braços
e no hino esquecido
no disco arranhado,
nesse quarto sem janelas
vejo também os meus olhos
armados até os dentes
de desejos e afeições,
duas pernas de pedra sem tronco
plantadas num pedestal
no meio desse deserto
no meu coração.

Comments

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema