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Prosa minha: O começo do fim de Eulâmpio Catabriga


O sol tinha acabado de nascer quando sentiu a dor pontual, aguda, intolerável. Quando logo em seguida o coração parou, parecia-lhe um alívio, uma oportunidade de escape, que durou só um instante. Agora a dor ainda era intensa mas era suportável. Passara num punhadinho de tempo do inferno da dor aguda para o purgatório da dor crônica: recostou-se no sofá do escritório e esperou paciente pela morte, que não veio.

Meu coração se agarra ao corpo. Cansado de bater na porta aberta, prepara-se para o salto, o relâmpago, o silêncio, o hiato.

A filha entrou sem bater, tinha as chaves da casa. O sol tinha acabado de se esconder atrás do telhado do vizinho.
- Pai? Cadê você?
Não conseguia responder. Esperou mudo, recostado feito um manequim desajeitado no sofá, até que ela chegasse ao escritório.
- Oi, Pai, a Lydia me pediu pra – Pai? Tudo bem?
Ele quer falar mas não consegue nem um sussurro. Acho que peguei no sono deitado de mau jeito, minha filha. Agora estou com um torcicolo que não consigo me levantar. Não há de ser nada. Queria mentir para não parar no hospital todo enfiado com agulhas, fios e tubos, como tantos que ele viu morrerem devagar na UTI.
A filha chamou a ambulância pelo telefone.

- Olha, se eu fosse ele também tinha medo da própria sombra.
- Pois toma a pitula e espera; acaba que o tempo passa e reduz cada um ao que ele é: o matão poderoso de hoje é um matinho de beira de estrada amanhã. Toma a pitula e espera; o tempo não pára.

A morte, essa não existência factual, é a coisa mais terrível que há. Agarrá-la firme com as duas mãos na altura do rosto exige do espírito humano mais coragem que qualquer outra coisa. Mas às vezes não há saída. Uma vida que se encolhe toda só para evitar ser tocada pela morte não merece o nome que tem.

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