I
Dentro da terra, finalmente livre: casca e miolo metamorfoseados numa nova existência múltipla e porosa: uma multidão anônima, silenciosa e indiferente de flores microscópicas, fungos coloridos, vermes e microorganismos que transitam dentro e fora de um dentro e fora que já não existe mais. A consciência adormece e sonha em palavras: debaixo do pó que vai se acumulando em cima de mim renasce da minha pele dissolvida o meu corpo, que de si mesmo também se desata. Meu tempo agora se come por dentro, pelas entranhas. Sepultado dentro desse peito de pedra, nesse ovo de terra, quente e úmido, eu ainda existo. Roça a minha testa o rio do passado. As memórias são uma manada de icebergs que passam boiando por cima das pálpebras ocas. Aqui a vida é regida por um relógio descomposto: uma seqüência infinita de repetições do passado, indo e voltando do paraíso visceral do feto até a boca do inferno.
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